Na análise que se segue, inspirada nos Estudos de Ciência e Tecnologia, assim como na antropologia da família e do parentesco, propomos examinar os emaranhados de pertencimento mediados por diferentes tecnologias que ajudam a moldar identidades pessoais e de grupo. Ao longo desta discussão, estaremos olhando para o tipo de “solidariedade difusa e duradoura” que cria laços entre pessoas, comunidades e até cidadãos de uma nação, trazendo consigo não apenas diferentes tons de afeto, mas também sentimentos morais de direitos e obrigações. Ao mesmo tempo que dialogamos com debates anteriores sobre o parentesco “prático” e “performativo”, nossa abordagem explora como a dinâmica de pertencimento pode ser entendida não em termos de estrutura ou mesmo escolha, mas de mediações materiais que, assim como a memória, evoluem com o tempo. Nosso universo empírico se constrói ao redor de um evento crítico particular no Brasil - a violação dos direitos humanos de filhos e filhas de pacientes que, em meados do século XX, foram internados à força para Hanseníase (lepra) - e o movimento político das vítimas visando reparação. Escolhemos três tecnologias interconectadas - documentos escritos, lembrança e testes de DNA - usadas pelos principais atores para calcular as conexões familiares no centro desse drama. O recurso a esses três fios de pertencimento familiar nos permite explorar não apenas a materialidade das percepções, mas também as complexas temporalidades em jogo. A noção de "cálculos", com seus múltiplos significados serve aqui para sublinhar as formas heterogêneas de conhecimento embutidas no processo contínuo e eternamente incompleto de “pertencer”.