Estratégias educativas de internacionalização: uma revisão da literatura sociológica

Abstract

Este artigo traça um panorama das contribuições de pesquisas estrangeira e nacional sobre o tema das estratégias educativas de internacionalização. São trabalhos que, em geral, versam sobre modalidades recentes de investimento por parte de famílias socialmente favorecidas em uma dimensão internacional do capital cultural. A aquisição desses recursos - o acúmulo de competências linguísticas, culturais e sociais, além da própria mobilidade - é interpretada, por esses grupos, como o vetor da constituição de disposições que resultariam em certa desenvoltura de atuação de seus filhos em meios internacionais. A análise do conjunto de resultados fornece pistas importantes, na medida em que permite a visibilidade a estratégias comuns, próprias do momento atual, mas sinaliza também a necessidade de maior compreensão das particularidades que caracterizam ações e valores distintos atribuídos ao capital simbólico internacional por parte de populações de nações diversas. Nesse sentido, o texto realça a relevância sociológica do objeto, em particular, no caso brasileiro. É que o recurso recente a esse capital como estratégia educativa não só das elites, mas também de grupos em ascensão, vem tornar mais complexo, ou mesmo agravar, o quadro de desigualdade de oportunidades escolares que, tradicionalmente, tem marcado a disputa pelas melhores posições na hierarquia social do país. Assim, o interesse renovado pela dimensão internacional do capital cultural parece se constituir, recentemente, em um fator a mais a aprofundar e consolidar fronteiras já existentes entre os que podem se beneficiar da rentabilidade de tal investimento, ao longo de sua escolarização, e aqueles que se limitam aos recursos nacionais.

As Escolas Privadas Bilíngues E a Qualificação Docente

“…Uma escolarização internacional representa, para as famílias favorecidas, das classes média e alta, um capital necessário para a obtenção de vantagens sociais, econômicas e simbólicas para seus filhos (Almeida & Nogueira, 2002). Trata-se de uma estratégia que visa a equipar os descendentes com competências que lhes permitam circular entre as comunidades internacionais por meio do domínio de uma língua estrangeira e do conhecimento de diferentes países e culturas (Aguiar, 2009). No Brasil, os estudos apontam que, de fato, as classes média e alta estão investindo cada vez mais em educação, principalmente em escolas que possuam políticas de internacionalização do ensino (Nogueira et al, 2008;Almeida, 2015).…”

Atualizações da “boa vontade cultural”: internacionalização e diversidade no ensino superior brasileiro

“…A cultura internacional é um conjunto de bens simbólicos desigualmente distribuídos e é também uma cultura no sentido antropológico, um conjunto de regras, práticas e crenças comuns a um grupo (WAGNER, 2007, p.43). A busca pelo cosmopolitismo constitui há tempos um traço próprio ao estilo de vida de elites no Brasil e a escolarização no exterior era uma prática corriqueira desde o período colonial que se dava, em geral, no nível universitário explica Andréa Aguiar (2009). Contudo, essa autora aponta (2009, p.68) que "a massificação escolar e a perda do valor distintivo dos diplomas", teriam "acentuado a demanda atual por novos atributos na formação", de modo que atualmente as estratégias "ocorrem com muito maior frequência, se estendem a novos grupos sociais e, além disso, se dão ao longo de todos os níveis de escolarização".…”

“…Assim, as dinâmicas simbólicas percebidas em torno do curso em inglês da EAESP-FGV se coadunam com a ideia de uma valorização incondicional da dimensão internacional do capital cultural (NOGUEIRA; AGUIAR, 2007;AGUIAR, 2009). A docilidade ou reverência com relação ao internacional se expressaria no plano das ideias, na crença quase absoluta de pais e filhos nos efeitos positivos da internacionalização, e no das ações, "na ânsia dos pais em investir nos recursos internacionais os mais rentáveis possíveis, capazes de proporcionar aos filhos disposições que eles próprios não possuem: certa desenvoltura diante do internacional, que reconhecem e cobiçam [...]" (AGUIAR, 2009, p.77).…”

A internacionalização e ensino básico: suas motivações

“…Assim, a mobilidade geográfica passaria a ser interpretada como competência a ser desejada, como um triunfo individual em um contexto que o cosmopolitismo se impõe como necessidade cultural, em contraposição a imobilidade e ao confinamento ao nacional. Dessa forma, é exaltada por famílias a possibilidade de se distinguir entre as demais em sua capacidade de tirar benefícios do corrente processo de globalização e de trocas internacionais, fato que contribui para o aumento das desigualdades sociais(Aguiar, 2009).Assim, de acordo comNogueira et all (2008), há um processo nas últimas décadas, especialmente na classe média e nas frações mais elevadas, que valorizam o estudo de línguas e vivência no exterior, dando aos filhos dimensão internacional na sua formação, que se reveste nas formas mais diversas, como estágios linguísticos de curta duração, intercâmbio de high school, programas de "mobilidade" para estudantes de graduação, sem contar a internacionalização in loco por meio de escolas de ensino bilíngue com currículo internacional Prado (2002). apresenta, em sua pesquisa sobre a internacionalização dos estudos por intermédio dos intercâmbios culturais, estas práticas como estratégias educativas para ampliação do rendimento intelectual dos filhos.…”

“…Desse modo, a passagem por uma instituição de ensino no exterior faz parte das condições de reprodução social(Amorim, 2012). A excelência no plano da oralidade, a busca pela fluência, pela naturalidade na fala de idioma estrangeiro;  A produção de indivíduos autônomos, preparados aos desafios escolares e profissionais futuros.Adicionalmente, de acordo comAguiar (2009), os pais revelam duas expectativas distintas: uma utilitarista, que é a aposta das famílias no crescimento das chances escolares e profissionais; e identitária, que está vinculada a formação mais ampla de valores, de personalidade e autonomia pessoal. Essa percepção se insere, todavia, em um contexto de panorama de relações desiguais entre nações, já que no Brasil, o contato com o estrangeiro…”