Entre amadorismo e profissionalismo: as tensões da prática histórica no século XIX

Abstract

A afirmação do século XIX como o século da história adquiriu o estatuto de uma afirmação que parece não comportar maiores questionamentos. Dois supostos parecem assegurar para este século o privilégio de estar associado ao século da história por excelência: o fato de que em suas primeiras décadas o conhecimento do passado torna-se tarefa de uma disciplina com todas as implicações daí decorrentes -um método, um aprendizado e uma carreira -; a crença de que a experiência humana explica-se a partir do próprio movimento da história, que, nos seus desdobramentos, vai desvelando o sentido e a razão da existência humana, tornada desta forma eminentemente histórica. Uma vez assegurado o sentido e a lógica do devir histórico pela filosofia da História do século XVIII, finalmente o passado humano pode se constituir numa totalidade dotada de sentido, aquilo que Koselleck denominará a história em si.2 Pouco se considera, no entanto, o fato de que este procedimento disciplinar com relação à História resulta de uma intensa disputa pelo monopólio da fala com relação ao passado. Longe de uma natureza, o passado se constitui em objeto de disputa mobilizando interesses políticos e de conhecimento numa rede complexa em que, se o saber pode significar poder, é também do lugar do poder que se tecem saberes a respeito dos tempos pretéritos. Entronizada em um panteon, a História disciplinar refaz sua trajetória apresentando este percurso como um desenvolvimento natural do conhecimento em busca de cientificização, apagando os traços que inscrevem este procedimento no mundo históri-Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 184-200.

Formação de professores e ensino de História em limiares de memórias, saberes e sensibilidades

“…Longe de uma natureza, o passado se constitui em objeto de disputa mobilizando interesses políticos e de conhecimento numa rede complexa em que, se o saber pode significar poder, é também do lugar do poder que se tecem saberes a respeito dos tempos pretéritos. 19 Mais do que explicar o que se passou, portanto, a História se dedica a um procedimento de interpretação que interroga os processos de conhecimento no tempo e, por isso, converte-se em elemento chave para a possibilidade de conhecer porque, acima de tudo, faz perguntas aos vestígios do homem no tempo e, em função desses vestígios e dos olhares e perspectivas de cada tempo, interpreta-os.…”