Numa primeira leitura, o romance Hanói (2013), de Adriana Lisboa, pode ser visto apenas como uma história água com açúcar: o encontro ao acaso entre David, que acaba de receber a notícia de um câncer terminal, e Alex, uma mulher que divide seu tempo entre os estudos, o trabalho e o filho. A partir desse encontro, Lisboa contrapõe o universal, representado pela morte e pelo amor, e o particular, a crise emocional e o sofrimento narrados pelas vozes autorreflexivas de Alex e de David. Essas reflexões das personagens referem-se, principalmente, aos percursos migratórios tomados por suas respectivas famílias no passado e às relações familiares. No caso de David, a experiência da morte, tematizada também em outros romances de Lisboa, como o Sinfonia em branco (2001) e o Rakushisha (2007), aparece como principal elemento formador da personagem, pois é a notícia da morte que impulsiona a caminhada pela cidade e o encontro com Alex.O enredo de Hanói, um tanto lento e desprovido de acontecimentos que captam a atenção do leitor, dá-se de maneira introspectiva, na qual o narrador ora relata incessantemente os pensamentos das personagens, ora descreve a cidade de Chicago ou o cotidiano de David e de Alex. Ao optar pela ênfase nas reflexões dos protagonistas, o romance perde força em seu desenvolvimento, pois Alex e David são personagens planos, construídos como sujeitos excessivamente passivos e subservientes que abraçam os obstáculos e as dores da vida com indiferença e letargia. Quanto à composição estética, Lisboa recorre a gêneros literários já estabelecidos, como a literatura de viagem, o romance psicológico e a crônica, para compor um conjunto de fragmentos que se movimenta entre a experiência universal do sujeito migrante na cidade, marcada pelo isolamento e pela melancolia, e a experiência individual da reflexão como forma de compreender os efeitos da migração no entendimento do eu.Para Maria Isabel Edom Pires, o ato de viajar é uma tendência na literatura brasileira contemporânea, caracterizada por um viajante anônimo e "libertário" que deixa de lado a experiência pessoal (Pires, 1 Doutoranda em literatura e cultura inglesas na Humboldt-Universität zu Berlin e no King's College London, Londres, Inglaterra. E-mail: juliabneves@gmail.com ------------Um sentido para o fim estudos de literatura brasileira contemporânea, n. 45, p. 139-157, jan./jun. 2015. 140 2014, p. 391). 2 Analisando obras de João Gilberto Noll, Paloma Vidal, Luiz Ruffato e Adriana Lisboa, Pires aponta duas variações na temática da viagem nesses romances contemporâneos: a "consciência do exílio" e "o contato com a clandestinidade" (Pires, 2014, p. 392). Na obra de Lisboa, nota-se a presença desses elementos na narrativa do deslocamento, principalmente em seus últimos romances, Rakushisha As questões da migração e de conflitos geracionais entre os que viveram nos países de origem e aqueles que nasceram e/ou cresceram nos países de destino, geralmente representados pelos Estados Unidos, Canadá e países do oeste europeu, aparecem como problemáticas ...