Moraes março de 2021, em meio ao caos e às dores da pandemia da Covid-19.Isabel Allende é, sem dúvida, uma grande escritora, uma grande contadora de histórias. Em seu clássico A casa dos espíritos, publicado originalmente em 1982, Clara, uma das personagens, passa a vida escrevendo em seus Cadernos de Anotar a Vida. Clara é uma mulher que escreve, que transita entre o mundo dos vivos e o dos mortos, entre a cidade e o campo, entre a razão e a desrazão, entre a opressão patriarcal e a resistência das mulheres, entre a opressão e a insurgência. Clara vive, transita e escreve sempre colocando em xeque a facilidade das oposições binárias. Ela vive num entre-mundos. Para quem Clara escreve? Para quê? Por quê?Não creio que possamos dar apenas uma resposta a cada uma dessas perguntas. É possível, porém, esboçar respostas que são também caminhos de leituras para esta obra-prima, cujo cenário é o sul das Américas entre o final do século XIX e meados do século XX, quando um golpe civil-militar instaura uma ditadura e assume como norma a violência, a tortura e o silenciamento das dissidências. Os Cadernos de Anotar a Vida permanecem pulsantes, mesmo depois que Clara parte para o mundo dos espíritos. Um de seus destinatários somos nós, que lemos o livro e que acompanhamos a resistência dessa mulher e de tantas outras, em produzir e cultivar a vida, em cuidar dos outros, mesmo que o mundo vá se tornando cada vez mais opressor, cada vez mais instituído e institucionalizado PREFÁCIO