Os processos de luto, morte e lembrança são culturalmente constituídos, socialmente compartilhados e expressam uma ampla diversidade de valores sociais e significados culturais. A vida e a morte encontram proximidade através de objetos e lugares, isto é, formas de expressão da lembrança que se inscreve como narrativa e sentimento (Hallam e Hockey, 2001). A vida social das pessoas pode persistir, além da morte, nos objetos materiais que são metáforas e metonímias associadas à criação da memória. Os objetos, assim, são o veículo para a comemoração, o elo entre a vida e a morte (Idem).Nas . O objetivo é identificar os usos políticos da memória -como resistência política nos espaços do cotidiano, do íntimo, do familiar ou do comunitário. Para isso, retomamos o conceito de "altares espontâneos" usado por Jack Santino (2011): rituais públicos de luto diante de mortes inesperadas e consideradas injustas. Os altares são, a um só tempo, formas materiais de conservar a memória dos fatos, expressão pública das emoções e demanda por mudanças sociais e pelo reconhecimento da dor. Busca-se dar às emoções um lugar na esfera pública e reividicar o reconhecimento do dano e da injustiça por parte de colegas, vizinhos e amigos.Os altares, como uma expressão pública do luto, têm um forte potencial político, no sentido dado por Das (2008a), Certau (2000) e Scott (2000), revelado no retorno ao cotidiano, nas pequenas ações políticas, quase inapreensíveis, táticas, invisíveis e intermitentes.
A memória em contextos de violência prolongadaA Colômbia vive nas últimas seis décadas um conflito armado, o mais prolongado do continente. Sem um início claro, suas raízes podem ser identificadas em contendas antigas do século xix e nas primeiras décadas do xx, nas confrontações entre os partidos políticos e nas lutas pela terra (Arenas Grisales, 2013). Trata-se de uma guerra profundamente degradada. O alvo, em lugar dos próprios combatentes, tem sido a população civil, de tal modo que uma de suas principais características é a sevícia contra as vítimas. Segundo dados do Centro Nacional de Memória His-2. Tomamos este conceito de Adriana González Gil (2009). Segundo a autora, antes que identificar o tipo de violência, trata-se de examinar os contextos em que ela se instala. Gil procura o elemento subjacente ou anterior ao fato violento em si, seu vínculo com o desenvolvimento da sociedade e seu papel nas relações sociais. Assim, a violência faz parte tanto do processo de configuração do Estado social moderno como das formas sutis de controle e vigilância através da utilização da coerção e de aparelhos disciplinadores. Portanto, a violência não é um fato pontual, mas um fato social vinculado à política, à economia, às representações e aos imaginários sociais.Vol28n1_3.indd 86 10/03/2016 16:49:39