74Efigênia Angola, Francisca Muniz forra parda, seus parceiros e senhores: freguesias rurais do Rio de Janeiro, século XVIII.Uma contribuição metodológica para a história colonial *
João Fragoso
IntroduçãoOs investigadores da História Social do Rio de Janeiro colonial deparam-se com dois infortúnios relativos às fontes. O primeiro é, praticamente, a inexistência de coleções cartorárias. O incêndio do fórum da cidade no século XVIII resultou no desaparecimento de inventários post-mortem, testamentos, processos-crime e de vários outros manuscritos. Temos somente fragmentos dos livros de escrituras públicas (compra e venda, procurações, hipotecas, quitação etc.), disponíveis no Arquivo Nacional e na Biblioteca Nacional. O segundo infortúnio é a escassez de documentos coloniais no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. A princípio deveríamos encontrar nesse arquivo as coleções produzidas pela Câmara da cidade, tais como: livros das vereanças e posturas municipais, de ordenanças, de almotaçaria (inclusive celeiro público), processos julgados por juízes ordinários, livros de registros dos foros das ordens militares e fidalgos da casa real etc. Infelizmente, essas coleções não se encontram nas dependências do Arquivo.Enfim, as séries de fontes primárias que, internacionalmente, os profissionais em História Social se valem para reconstruir o passado de uma sociedade, e assim entendê-la melhor, simplesmente não existem no Rio de Janeiro. Fenômeno que tem consequências, não somente para a cidade, mas também para a história da América Lusa e do império ultramarino luso. Para tanto, basta lembrar que, ao longo do Setecentos, o Rio de Janeiro transformou-se na principal praça mercantil do Atlântico Sul e da Amé-rica portuguesa. Por exemplo, o Rio de Janeiro, na década de 1790, era o principal porto do tráfico internacional de escravos nas Américas.Historiadores sociais têm procurado remediar a falta de fontes clássicas recorrendo à correspondên-cia colonial do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) e às fontes administrativas do Arquivo Nacional (AN). Apesar da riqueza dos manuscritos do AHU, eles tratam, fundamentalmente, de missivas de natureza política e administrativa trocadas entre os domínios ultramarinos (governadores e demais oficiais régios, solicitação de mercês por súditos etc.) e o reino. Por conseguinte, esses papéis poucas vezes fornecem notícias sobre a estrutura agrária, fortunas, estratificação social. Além disso, esse corpus dificilmente traz informações sobre o cotidiano das paróquias, relações de vizinhança, de parentesco, de sistemas de casamentos etc. Um outro corpus, geralmente consultado por historiadores sociais, são os livros da Provedoria da Fazenda e as Correspondências dos Governadores existentes no AN. Coleções que também pouco ajudam no estudo das estratégias do dia a dia dos escravos, dos forros e dos lavradores, ou seja, versam pouco sobre compadrio, relações de clientela e alianças de parentesco -expedientes comuns em sociedade rurais do Antigo Regime. 1 Em meio a este cenário uma fonte ain...