Já fazia muito que eu era sujeito a sufocações, e o nosso médico, apesar da desaprovação de minha avó, que já me via morrendo alcoólico, aconselhara, além da cafeína, que me era prescrita para ajudar-me a respirar, que tomasse cerveja, champanhe ou conhaque quando sentisse se aproximar uma crise. Estas abortariam, dizia ele, na "euforia" causada pelo álcool. Para que minha avó permitisse que me dessem bebida, muitas vezes me via obrigado a não dissimular, a quase ostentar o meu estado de sufocação. Aliás, logo que o sentia aproximar-se, sempre incerto das proporções que assumiria, aquilo me inquietava devido à tristeza de minha avó, que eu receava muito mais do que o meu sofrimento. Mas ao mesmo tempo o meu corpo, ou porque fosse muito fraco para guardar sozinho o segredo da dor, ou porque receasse que, na ignorância do mal iminente, exigissem de mim algum esforço que lhe fosse impossível ou perigoso, me impunha a necessidade de comunicar à minha avó as minhas indisposições com uma exatidão em que eu acabava pondo uma espécie de escrúpulo fisiológico. Se percebia em mim algum sintoma desagradável que ainda não discernira, meu corpo sentia-se em desamparo enquanto eu não comunicava isso à minha avó. Se ela fingia não prestar nenhuma atenção, meu corpo pedia que insistisse. Às vezes eu ia demasiado longe; e o rosto amado, que já não era tão senhor das suas emoções como outrora, deixava transparecer uma expressão de piedade, uma contração dolorosa. E meu coração torturava-se à vista da pena que ela sentia; como se meus beijos pudessem apagar aquela pena, como se a minha ternura pudesse dar à minha avó tanta alegria como o meu bem-estar, eu lançava-me em seus braços. E como os escrúpulos já se apaziguavam ante a certeza de que ela conhecia o meu mal, meu corpo não se opunha a que a tranquilizasse. Fazia protestos de que esse mal não era penoso; dizia que não havia motivos para que se compadecesse de mim, que não tivesse dúvida de que me sentia feliz; meu corpo já havia conseguido toda a compaixão que merecia e, desde que se soubesse que tinha uma dor do lado direito, não achava inconveniência em que eu declarasse que essa dor não era um mal e não constituía obstáculo a meu bem-estar, pois meu corpo não se importava com filosofia; esta não era da sua alçada. Durante a convalescença, tive quase que diariamente dessas crises de sufocação. Uma tarde minha avó saiu e deixou-me muito bem; mas, ao voltar já de noite ao meu quarto, viu que me faltava a respiração. "Meu Deus, como estás sofrendo!", disse ela, com as feições alteradas. Deixou-me em seguida, ouvi bater a porta da rua, e ela entrou um pouco mais tarde com o conhaque que fora comprar, porque não o tínhamos em casa de momento. Dentro em pouco comecei a sentir-me bem. Minha avó tinha no rosto um tanto afogueado um ar aborrecido, e seus olhos, uma expressão de cansaço e desânimo." (Proust, À sombra das raparigas em flor)A minha avó, Maria Francisca. "(...) e a força nunca seca para a vida que é tão pouca" A minha mãe, Maria de Lourdes e a minha tia, Maria Ismera
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