IntroduçãoA gama de assuntos abordados e comentados por Thomas S. Kuhn em sua obra magna, A estrutura das revoluções científicas (doravante ERC), publicada há exatos cinquenta anos, é enorme, a ponto de um comentador ter dificuldades em escolher um tema, capaz de ser considerado como o mais importante em todo o livro. Uma das características marcantes de ERC é a teia complexa e sutil entre temas, teses e conceitos sobre a ciência. Apesar da complexidade e da sutiliza da estrutura narrativa presente na ERC, é possível verificar que Kuhn defende a natureza da ciência como sendo eminentemente histórica. Em breves palavras, sem o recurso à história -apenas? -da ciência, não se pode saber o que ela é. Tal recurso é obrigatório, na medida em que a ciência, tal como já afirmado desde o final do século xix, transforma-se, sendo, em princípio, impossível determinar antecipadamente o resultado dessas transformações às quais a ciência está invariavelmente submetida (cf. Videira, 2011). Se o objetivo for compreender a natureza da ciência, torna-se, então, necessário compreender como e por que ela se modifica.Contudo, mesmo reconhecendo o caráter intrinsecamente transformista da ciência, Kuhn reconhece que ela possui uma identidade própria, capaz de ser determinada. Ou ainda, a inteligibilidade da ciência apoia-se em parte na capacidade de receber uma identidade. Caso contrário, o seu objetivo em ERC seria inalcançável. Para que a transformação da ciência seja uma realidade, é preciso que essa transformação aconteça sobre algo que detém uma identidade, sobre algo que possui uma estabilidade. Já há muito, pressentia-se que a identidade da ciência não poderia ser fixada através de essências. Um exemplo em favor dessa tese é a discussão que o matemático francês Henri Poincaré manteve com o filósofo, também francês, Edouard Le Roy, a respeito de se a ciência poderia ser bem explicada pelo convencionalismo. Os argumentos do primeiro autor podem ser lidos nos dois últimos capítulos de O valor da ciência (Poincaré, 1998).