IntroduçãoO presente artigo traz uma análise sobre certa forma de "participação" de cidadãos, encontrada na França, decorrente de uma iniciativa governamental que instituiu comissões compostas por representantes das usinas nucleares e da população em geral para a troca de informações sobre o funcionamento dessas fábricas: trata-se das Comissões Locais de Informação (CLI).Dois aspectos são fundamentais para qualificar esse tipo de fórmula participativa: o primeiro é que tais comissões são produto tanto de uma mobilização estatal da sociedade, tendo sido instituídas por ato do Primeiro Ministro francês Pierre Mauroy em 1981, quanto de uma auto-organização da sociedade para fiscalizar o Estado, na medida em que a iniciativa de sua criação respondeu à demanda de movimentos contestatórios que nos anos 1970 se opuseram à construção de centrais nucleares e clamavam pela formação de comissões de vigilância. Além disso, seus membros reformulam e ampliam as funções formais, extrapolando a simples troca de informações.O segundo aspecto da especificidade dessas comissões é que sua criação atesta a existência de algo que nem sempre foi admitido pelos responsáveis do Programa Nuclear francês, isto é, a presença de um risco associado à atividade tecnológica desenvolvida nas Centrais Nucleares.O principal argumento desse trabalho é que tais associações, criadas com o objetivo de democratizar o acesso às informações sobre a operação dos reatores, podem ser entendidas, por um lado, como um meio de gerir a desconfiança (nutrida pela população para com a central), segundo uma "etiqueta" própria (Elias 1990; Leite Lopes et alii 2004); 1 dessa forma, um espaço criado com o intuito básico de informar -ao qual não se atribuiu qualquer poder decisório -ganhou, entretanto, uma feição específica na qual suspeições sobre se a usina opera ou não dentro das normas podem