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O sertão formal da política brasileira de conservação da naturezaThe sertão and the Brazilian nature conservation policy
IntroduçãoO que significa o termo sertão? Diversos autores têm chamado a atenção para a sua riqueza semântica. De acordo com Neves (2003), o termo é utilizado desde os primórdios coloniais e consta nos textos de doação das capitanias. Para os filólogos contemporâneos, sertão significa lugar recôndito, despovoado, distante do litoral, mas não necessariamente agreste (Neves, 2003). A palavra sertão aparece geralmente relacionada à região Nordeste do Brasil e, neste sentido, o autor afirma que o sertão tornou-se uma categoria geográfica relacionada ao semiárido, espacial (interior), econômica (pecuária) e social (região pouco povoada). Mas, além do mais conhecido -o sertão nordestino -, existem muitos outros sertões: o de Minas Gerais; de Mato Grosso; de Goiás; do extremo Oeste de Santa Catarina e da região de Sorocaba, por onde passavam os tropeiros; o sertão de dentro, no Amazonas (Amado, 1995), entre outros. Assim, conclui Neves (2003), o imaginário de sertão construído por viajantes, cronistas e missionários, mais do que oposição ao litoral, apresenta a ideia de distanciamento em relação ao poder público e a projetos modernizadores. Os centros urbanos 1 É professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Possui mestrado em Antropologia e Sociologia e doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seus principais temas de pesquisa são: natureza, espaço e sociedade, políticas ambientais, participação e campesinato. Atualmente desenvolve trabalhos relacionados a dinâmicas territoriais, conflitos ambientais, participação em conselhos, redes sociotécnicas e sistemas agroalimentares. E-mail: .
Annelise Caetano Fraga Fernandez 166e os sertões configurariam, deste modo, espaços simbólicos explicativos da dicotomia da sociedade brasileira.O discurso da sertanidade (Sarmento, 1998) e da associação de uma autoimagem e do pertencimento nacional-brasileiro (Alves, 2004) ganha expressão a partir da obra fundadora de Euclides da Cunha, Os Sertões, publicada em 1902. A partir desta obra, inaugura-se, de acordo com Sarmento (1998, p. 4), uma construção discursiva do sertão, que, informada pela lógica da obra euclidiana, é fruto de um diálogo de textos que produzem variações de interpretações sobre o tema. Sertão como patologia, retratado pela utopia higienista, sertão como lócus de uma cultura de folk, em contraste com a civilização, como dicotomia campo/cidade. Lima (1999;2009) destaca como o debate a respeito do litoral e do sertão expressa uma representação geográfica da identidade nacional e a valorização positiva ou negativa do sertão pode ser comparada, como em outros países, ao dilema de um processo civilizatório visto como inevitável e outro com possibilidade de alguma escolha."Neste sentido", conclui Sarmento (2009), "O Sertão Carioc...