No Brasil, os avanços da democracia pós-anos 1980 têm sido consideráveis no que diz respeito aos aparatos legais de proteção e promoção dos "direitos", o que acompanha o contexto global de difusão das reformas legais e da luta política através da linguagem dos "direitos". No campo da antropologia brasileira, a maior parte dos estudos vem discutindo as lutas por "direitos" que são realizadas por diversos grupos sociais -comunidades quilombolas, sociedades indígenas etc. -assim como os efeitos particulares e os resultados desse processo de mobilização 1 . O modo de engajamento e revitalização da memória e identidade dos grupos, assim como os efeitos particulares e os resultados desse processo original vêm contribuindo para uma maior visibilidade da agência dos "representados", colocando em risco interpretações que privilegiam poderes homogêneos das forças estatais frente à população.Menor atenção tem sido dada, entretanto, para os próprios processos de reforma legal nos seus âmbitos mais institucionais, deixando uma lacuna no estudo das problemáticas referentes a como, efetivamente, as novas idéias sobre os "direitos" são institucionalizadas e se tornam práticas efetivas no trabalho cotidiano de órgãos e agentes judiciais, revestindo-se de sentidos singulares. É verdade que temos uma rica tradição de estudos no campo do que se poderia chamar de "antropologia do direito" no Brasil, cujo foco dos trabalhos está constituído em torno da análise da cultura legal e da tradição jurídica brasileira. Os estudos de Kant de Lima (1989Lima ( , 1995Lima ( e 2003 e Cardoso de Oliveira (2002 e 2004) são significativos nesse sentido: o primeiro apontando a existência de um paradoxo legal brasileiro expresso na convivência pouco tranqüila entre uma ideologia igualitária e uma ordem social hierarquizada, e o segundo percebendo a existência de um déficit de cidadania no Brasil, caracterizado pela dificuldade em respeitar os direitos do indivíduo (o legal), parcialmente compensada pelo valor da manifestação da consideração à pessoa do interlocutor (o moral). A procura de uma particularidade brasileira, associada às singulares relações entre indivíduo e pessoa, tem marcado essas análises que desconstituem, ao seu modo, a idéia de um universo jurídico pautado unicamente em lógicas racionais formais.