E m janeiro de 2004, alguns meses após a falência da V Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), emCancún, Robert Zoellick enviou carta aos membros da OMC na qual propôs o reinício das negociações em novas bases. O tom da carta foi bem diferente daquele presente nas declarações do representante para Comércio Exterior dos Estados Unidos da América (EUA), em setembro de 2003, quando culpou o Brasil, a Índia e o G-20 pelo colapso das negociações em Cancún, dividiu os países em won't do e can-do e ameaçou realizar acordos comerciais com os últimos.Nessa carta, Robert Zoellick defendeu uma rodada menos ambiciosa, em que temas como comércio e investimento e comércio e concorrência seriam abandonados, e reconheceu a importância de negociar regras para o setor agrícola. Ademais, para o Brasil fazer frente a um contexto internacional restritivo às demandas de maior liberalização do comércio agrícola, fez-se necessário agir no âmbito externo por meio de coalizões. O G-20 constituiu-se, dessa forma, em espaço relevante para a atuação internacional do Brasil e colaborou para aumentar o poder de barganha desse ator diante das pressões dos EUA e da UE.A coalizão alia países exportadores agrícolas de graus diferentes, mas que no total se beneficiam da regulação do comércio em agricultura. Vários desses países possuem também interesses defensivos, já que são importadores líquidos de alimentos e têm um significativo setor de agricultura de subsistência, tais como Índia, China, Indonésia e Filipinas. Assim, a coalizão incluiu em suas propostas, desde sua origem em 2003, instrumentos de proteção do mercado interno, que provocaram resistências das organizações representativas do agronegócio brasileiras.À medida que o processo negociador evoluiu e se tornou necessário acordar sobre os critérios de aplicação daqueles mecanismos, as divergências entre as preferências ofensivas e defensivas da coalizão -que expressavam as demandas dos ambientes domésticos de seus membros -se avolumaram e chegaram ao grau mais intenso durante as negociações de julho de 2008.Dessa maneira, a posição do Brasil no impasse de julho de 2008 é explicada, neste artigo, pelas pressões domésticas dos grupos de interesse do agronegócio e pelas divergências que se instalaram no âmbito do G-20. A intensificação dos desacordos das organizações representativas do agronegócio e das divergências no âmbito do G-20 erodiram a capacidade do Brasil de continuar a negociar no nível internacional Neste artigo, faz-se uso das contribuições do modelo dos jogos de dois níveis (Putnam, 1988;Milner, 1997) para ressaltar: o impacto dos limites domésticos no processo negociador externo; a relação entre respaldo interno e credibilidade do ator negociador no nível internacional; e a função do grupo de interesse como sinalizador das dificuldades que o Executivo poderá ter na aprovação doméstica do acordo concluído no contexto internacional.O artigo compõe-se de quatro seções. Na primeira, discorre-se sobre os elementos do modelo dos jogos de dois níveis explora...