Aristocracia judicial brasileira: privilégios, habitus e cumplicidade estrutural

Abstract

Resumo Inserido no campo da sociologia das elites, procura-se compreender como e por que a magistratura no Brasil reproduz em suas estruturas uma dinâmica aristocrática e elitista que parece ser incompatível com os discursos que compõem suas próprias justificativas teóricas e com os princípios democráticos que regem suas funções. Os magistrados se estabelecem como um grupo especial que reserva para si um espaço sociopolítico exclusivo por meio de uma série de características e disposições que compõe seu habitus específico, o que produz reflexos no campo jurídico em que atuam. A magistratura distingue-se das outras carreiras do funcionalismo público e, radicalmente, da maioria da população. Para compreender esse cenário, este artigo propõe um exame das contradições presentes na estruturação do Judiciário, notadamente, na permanência de privilégios adquiridos em âmbito histórico, em seu modelo de recrutamento e progressão e nos altos salários pagos aos magistrados brasileiros. Considerando essas distorções, conclui-se que o compartilhamento de espaços de socialização exclusivos entre a elite jurídica e as elites política e econômica distancia-os drasticamente da população e influi de modo decisivo na produção de uma prática judicial que tende a conservar as relações de poder como estabelecidas.

Distintos profissionais

“…Encontramos na literatura acadêmica nacional diversos estudos que identificam esse conservadorismo no mundo do direito. Referindo-se aos juristas, fala-se, por exemplo, em "Aristocracia" (Ramos;Castro, 2019); "Nobreza" (Almeida, 2010); "Casta" (Gomes, 1981) e até em "Dândis" (Lima, 2016). Assim pode-se crer que esse conservadorismo é sempre de um tipo primário como na figura do conservador reacionário e autoritário que olha sempre desejante para o passado.…”

“…Apesar da constatação da existência de uma diversidade de tipos no campo jurídico, o grupo profissional é percebido como um grupo de agentes e práticas conservadoras (por exemplo, Ramos;Castro, 2019;Almeida, 2010;Gomes, 1981;Lima, 2016). Como esses diferentes atores que vivem o cotidiano do direito constroem, mantêm e compartilham uma identidade categorial ou de grupo?…”

“…O "estilo gerencialista" foi identificado no MP e entendido como algo que "representa maior risco psicossocial no trabalho" (CNMP, 2021, p. 22).14 "*Entre os membros ativos e inativos do MP brasileiro] prevalece a autodeclaração de cor branca (81,7%), havendo menor índice de pardos (14,13%), enquanto pretos representam 1,5%"(CNMP, 2021, p. 22). Sobre a possibilidade de uma pessoa negra 'fazer papel" de branco, verFanon (2008).15 Mesmo antes da pandemia 90% dos juízes já "levavam trabalho para casa", a maioria o faz frequentemente(Vianna et al, 2018, p. 268) 16 Os juízes, cujo vencimento é parâmetro para o Ministério Público, recebem vencimentos que os colocam entre o 0,5% da população mais rica do país(Ramos; Castro, 2019, p. 12). 17 Pesquisa realizada em 2018 -publicada em 2010 -com os membros ativos do Ministério Público Federal indicou que 63,5% eram casados(as)(Azevedo, 2010, p. 33).18 Em 2014, 75% dos magistrados brasileiros tinham filhos(CNJ, 2014, p. 48).…”

Jurists against democracy

“…Understanding the alliances established by jurists and judges and their impacts on judicial decisions and the political game requires a sociological perspective based on the identification of the magistracy's interests. If the privileged condition enjoyed by judges, associate justices, and ministers seems already reasonably explained in the literature (DA ROS, 2015;CARVALHO, 2017;ZAFFALON, 2017;RAMOS et al, 2019), studies on judicial policy in the country still lack investigations that explore more comprehensively the relational mechanisms that bind members of the Judiciary and other political agents so that one can describe how such informal mechanisms are activated and resonate in the deliberations of both parliament and trial sessions in the courts.…”

Análise De Uma Base De Dados Inédita Sobre a Formação Acadêmica Dos Dirigentes Das Instituições Financeiras Brasileiras

“…Embora enfoque sobretudo características organizacionais dos conselhos como o número de integrantes, a duração dos respectivos mandatos e a acumulação de cargos com a diretoria executiva, o estudo 7 Levantamento realizado em 2004 apontava que 52,7% dos juízes brasileiros eram egressos de instituições públicas de ensino superior. Em contraste, no ano de 2006, 93,5% das vagas dos cursos de direito eram oferecidas por instituições privadas(ALMEIDA, 2010, p. 80;RAMOS; CASTRO, 2019, p. 6). 8 Na mais recente legislatura, a proporção é um pouco maior: dos 81 senadores em exercício em 2020 11 (13,5%) são mulheres (BOLDRINI, 2020).…”