Este texto tem como proposta mostrar os e-feitos da pandemia de COVID-19 na percepção da cidade, tendo como exemplo o Rio de Janeiro – em especial o “lugar-em-ação” (RHEINGANTZ, 2012; RHEINGANTZ; PEDRO, 2012; RHEINGANTZ et al, 2017) Porto Maravilha, localizado na região portuária da cidade e palco de intensas transformações urbanas e arquitetônicas ao longo dos mais de quinhentos anos de sua história. Os lugares-em-ação são, segundo os autores, interfaces que são afetadas por diversos elementos e, como tal, emergem de processos de mediação que envolvem aspectos políticos, técnicos, econômicos, arquitetônicos se configurando como agentes de transformação: como envolvem diferentes materialidades, e podem ser entendidos como interfaces que aprendem, performando produções sempre locais e situadas. O Porto do Rio de Janeiro possui, historicamente, um protagonismo na forma como a cidade do Rio foi sendo moldada e transformada, em sucessivos “melhoramentos” urbanos (CEZAR; CASTRO, 1989) que, inclusive, alteraram os limites territoriais da cidade através de aterramentos de áreas antes pertencentes à Baia de Guanabara. As obras mais impactantes, no início do século XX, feitas prefeito Pereira Passos – que precisava com urgência, “modernizar” a cidade e tirar-lhe o apelido de “cidade‑morte” (CARMO; ORTIZ, 2014) e torná-la mais “moderna” e símbolo de um novo Brasil (ABREU, 1997) – e, mais recentemente, as obras realizadas pelo prefeito Eduardo Paes, por ocasião da escolha da cidade para sediar a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016). Se, inicialmente, o Porto tinha um papel de escoamento de riquezas provindas principalmente de Minas Gerais (BENCHIMOL, 1992), com a vinda da Família Real em 1808, o Porto e seus arredores ganham ares mais aristocráticos e uma tentativa de melhorar a imagem da cidade perante um mundo cada vez menos propenso a aceitar a escravidão humana. (SOARES, 2007; HONORATO, 2019) A mudança do Cais do Valongo para Cais da Imperatriz, em 1843 (VASSALO; CICALO, 2015), é um exemplo contundente de como o passado foi sendo coberto por várias camadas que tentavam encobrir os horrores provenientes do tráfico negreiro. Este tipo de apagamento da memória é destacado por Montaner e Muxí (2014) como uma das políticas adotadas para a turistificação e museificação de cidades com vistas a torná-las cada vez mais rentáveis sob o ponto de vista econômico. Neste texto, propomos uma reflexão conjunta, através de uma navegação histórica sobre a construção e reconstrução não só do Porto, mas dos próprios limites territoriais do Rio de Janeiro: onde hoje se localiza a Pedra do Sal, no bairro da Saúde, não há mais sinais da antiga Prainha, onde atracavam os barcos. O Cais do Valongo, localizado a poucos metros dali, constitui apenas um marco arquitetônico a céu aberto – onde foi colocada uma placa “comemorativa” – um ícone ou fetiche (Latour. 2009) - com uma pintura de Rugendas – mostrando um negro se entregando pacificamente a um vendedor de escravos: um apagamento de memória de grandes proporções, uma vez que ali era o local de desembarque de milhares de escravos durante décadas. Além disso, propomos uma reflexão acerca da pandemia e de como existe uma ligação histórica entre imagens e representações da cidade, seus habitantes e mesmo as doenças – a febre espanhola e a COVID-19 – e as mensagens que tais imagens pretendem passar. A partir da abordagem da Teoria Ator-Rede, costuramos uma navegação onde atores humanos e não-humanos se entrelaçam na construção de uma narrativa – dentre tantas outras possíveis.