Covid-19: Luto, Morte e a Sustentação do Laço Social

Abstract

Resumo Partindo de breve contextualização da precariedade dos serviços de saúde no momento em que a Covid-19 abalroa o país, o artigo situa as condições de desamparo em que se encontra o sujeito para enfrentar a pandemia. Reconhece aí as condições para que estejamos enfrentando uma situação traumática que remete aos recursos da psicanálise para encaminhar uma forma de lidar com a situação. Recorre em seguida à conceituação psicanalítica de luto e morte identificando-os como experiências coletivas, que deveriam sustentar o pacto social e dar condições para a vida em sociedade, com suas expressões singulares. Examina as atitudes para com a morte, ao longo do último século, identificando a indiferença como uma das atitudes que ataca o referido pacto. Segue estabelecendo a importância do trabalho de luto como reverência feita à morte quando ela não é desmentida pela sociedade ou quando não se encontra nesta a atitude de indiferença para com ela. Conclui retornando ao trabalho do sujeito a partir do trauma surgido do encontro com o real da morte. Trata-se agora para este sujeito de se responsabilizar pelos enfrentamentos necessários que terão ocorrido e se impuseram a ele com a pandemia.

Anxiety, Beliefs and Covid-19 in Two Periods of the Pandemic in Brazil: A comparative study

“…Another relevant aspect of the Covid-19 pandemic is the occurrence of deaths of several members of the same family (Bianco & Costa-Moura, 2020), which may relate to evocations referring to "family", "longing", and "distress", for example. Distancing, as well as deaths of family and friends, can bring additional stressors when coping with and adapting to losses (Wallace et al, 2020).…”

A psicanálise diante da pandemia de COVID-19: traumas, desafios e perspectivas

“…Na pandemia, à medida em que a morte passa a ser apagada da vida comum, há uma banalização da morte e do morrer sem precedentes nas sociedades anteriores, ainda que a história de todas estas sociedades como a história escrita com as suas guerras cruentas. Se vive numa época em que a morte é ignorada, uma vez que não se fala muito sobre ela, que não seja em termos cientificistas, biológicos e médicos 12 .…”

“…Tampouco se pode viver do amor da recordação, do que se foi. Trata-se então, de coragem para enfrentar apenas a certeza do instante em que se faz o que há de ser feito; só depois virá a notícia do que se foi durante o tempo da pandemia12 .Refletindo sobre estas questões, até mesmo a modificação do ambiente de análise pode representar um trauma e requer uma observação perspicaz por parte do analista. Ao sugerir o uso do divã no encontro com o analista, Freud concebe quão importante é retirar o corpo da cena visual, seja o do analista seja o do analisando, permitindo ao último falar mais livremente.Freud ressalta que a presença do corpo, ou sua ausência, no encontro analítico, traz consequências para o próprio processo.…”

As consequências da pandemia do coronavírus e o luto na enfermagem

“…Tendo sido tirada de um lugar "natural" desde o pensamento grego clássico, a morte nos traz a dimensão de que somos seres mergulhados na simbolização que constituirá e afetará toda nossa forma de vida. 9 A morte é portanto um fato de linguagem que remete e atesta nosso pertencimento a esta dimensão social em que nos movemos. Não por acaso, as religiões e as filosofias fornecem desde sempre os meios para que a morte adquira o sentido que os falantes lhe conferem, um sentido que é social, um sentido de instituição diferente em cada sociedade, mas de qualquer forma um sentido que funciona em alguma medida para afastar o medo.…”

“…A forma como tratamos a morte em vida mudou completamente e ameaçou sua existência. 9 Por esse motivo, a morte de pacientes infectados tem recebido destaque na mídia, principalmente recentemente, e tem sido um desafio permanente para os profissionais de saúde, com destaque para a equipe assistencial. Nesse sentido, embora a morte faça parte do ciclo da vida humana, ainda representa um grande desafio para os trabalhadores da saúde em geral e para os enfermeiros em particular, pois isso o período de cuidados durante a pandemia e o cotidiano de óbitos nas unidades hospitalares, acabam por florescer sentimentos dos mais diversos, dentre eles a revolta e as tentativas de negação da morte.…”