O método da cena em Jacques Rancière: dissenso,desierarquização e desarranjo

Abstract

Resumo O conceito de cena é fundamental para a elaboração feita por Jacques Rancière de seu método da igualdade. A partir de montagens que reúnem imagens, gestos, textos, discursos e acontecimentos prosaicos, Rancière aposta em uma racionalidade ficcional, capaz de produzir uma composição fabuladora na qual múltiplas temporalidades surgem de uma série de intervalos, que se desviam da explicação consensual do mundo. Este texto destina-se a refletir acerca de três dimensões específicas e entrelaçadas na montagem da cena como método: o dissenso, a desierarquização e o desarranjo. Argumento que tais dimensões estão interligadas em três operações a serem evidenciadas neste artigo: a) a cena como método que requer uma escrita baseada na construção de montagens e intervalos; b) a cena como gesto de aparição do sujeito político, de sua corporeidade e vulnerabilidades, buscando sua emancipação; c) a cena como justaposição de tempos e espaços, configurando uma fabulação estético-política capaz de recolocar os vários elementos, que conferem a um momento singular um valor de ruptura com a cadeia interminável de condições, definindo as possibilidades de uma experiência. Essa operação coloca em marcha um tipo de emancipação em que Rancière associa o devaneio ao desvio e à desestabilização das relações de dominação.

Olha de novo: reconstrução da cena dos feminismos contemporâneos a partir de campanhas da Avon

“…Em 2021, acontece um novo reposicionamento com a campanha #OlhadeNovo (Huertas, 2021), que celebra um processo de renovação de imagem da marca, iniciado em 2020 com a entrada da Avon para o grupo Natura&Co., com a revisão de seu portifólio de cores de maquiagem, um compromisso antirracista e metas de equidade étnico-racial que devem se consolidar até 2030 5 . É essa nova fase da Avon, agora ligada ao grupo Natura, que iremos observar a partir do método da cena Jdey, 2021), que será detalhado a seguir. Pensando nos movimentos contextualizados neste artigo, entendemos que esse contexto histórico é composto por cenas, que levam os sujeitos envolvidos a processos emancipatórios.…”

“…Pensando nos movimentos contextualizados neste artigo, entendemos que esse contexto histórico é composto por cenas, que levam os sujeitos envolvidos a processos emancipatórios. Para Rancière Jdey, 2021), as cenas são encontros, como pontos de realidade, que colocam em jogo um sistema de relacionamentos. A cena não é o acontecimento em si, mas todo o processo de construção desse momento, com elementos que podem ser encaixados, como em um grande quebra-cabeça em que algumas peças faltam e outras não encaixam totalmente, por serem assimétricas.…”

“…Desse modo, compreendendo que a cena altera um conjunto de relações que definem uma situação, tornando-a compreensível, e, ao mesmo tempo, propõe uma redefinição das visibilidades e legibilidades que orientam experiências subjetivas e coletivas (Marques, 2021), entendemos que o método da cena é uma aposta metodológica para a observação de cenas polêmicas e dissensuais que permitem a redisposição de uma lógica estabelecida.…”

“…Sendo assim, além da observação dos vídeos, trazemos ainda a narrativa da diretora de comunicação da Avon, Viviane Pepe, extraída de entrevistas que ela concedeu a veículos de comunicação, e depoimentos de revendedoras, a partir de entrevistas realizadas entre 2017 e 2018 para uma pesquisa de conclusão de curso 7 , com orientação de uma das autoras deste trabalho. Compreende-se, a partir do método proposto por Rancière Jdey, 2021), que as peças para compor uma cena podem ser recolhidas de diversos elementos, como imagens, vídeos, composições e narrativas diversas. Entendemos ainda que essas peças não compõem a cena por completo, e que outras peças podem ser incorporadas em desdobramentos dessa pesquisa, mas, por ora, esses elementos colaboram para um recorte do que representa esse momento nas cenas dos feminismos contemporâneos a partir do olhar para uma grande marca de beleza.…”

“…Por outro lado, ao pensar nesse movimento das marcas como cenas que, junto com outras, compõem uma cena maior do movimento feminista que também ocupa o mercado corporativo, podemos compreender, a partir de Rancière Jdey, 2021), que a reconstrução de cenas de ativismo e emancipação feminina coloca em questão uma ordem estabelecida, supostamente hierarquizada nas narrativas causais que reafirmam uma racionalidade consensual na forma de apreender, valorizar e produzir sentido sobre a experiência do sujeito.…”