O número temático "Crianças, Infâncias e Pandemia" surge numa conjuntura histórico-cultural profundamente marcada pela pandemia da Covid-19, que afeta há mais de dois anos todo o globo, obviamente de formas desiguais, sem que se tenha ainda clareza de sua extensão e seus efeitos futuros.A pandemia da Covid-19 constitui um fenômeno social contemporâneo inédito, pela radicalidade de sua circulação, de contágio e da intensidade dos seus efeitos. Num mundo globalizado, ainda que tais efeitos atravessem fronteiras, a experiência da pandemia mostra-se significativamente diversa, de acordo com as condições sociais e as políticas nacionais e locais de enfrentamento. Verifica-se que a pandemia intensificou a concentração de renda, penalizando especialmente as populações mais pobres, tanto no número de óbitos quanto na piora da qualidade de vida. As condições estruturais, em que se destacam o efeito das desigualdades socioeconômicas, étnico-raciais e de gênero, informam como esta experiência é vivida pelos distintos grupos sociais e indivíduos. A esses aspetos achamos importante acrescentar a dimensão geracional que, considerada intersetorialmente, coloca as crianças em situações especiais de risco.Nesse sentido, apesar de, num primeiro momento, ter-se desvalorizado o impacto dessa pandemia na vida das crianças, dado que os efeitos imediatos em termos de saúde não pareciam significativos, à medida que a situação pandêmica se foi alastrando, no espaço e no tempo, os efeitos nesse grupo geracional começaram a surgir. Destacam-se a alteração radical do cotidiano infantil, das relações com espaços públicos e privados, do acesso às redes de proteção, da convivência intra-e intergeracional, como também dos direitos à educação, ao lazer e à participação.Observa-se que, nesse contexto, as políticas públicas e as práticas sociais dirigidas à infância têm sido formuladas sem a escuta das crianças, inclusive por constituírem o grupo etário com menos canais institucionalizados de participação política. A interrupção ou continuidade (por meio do ensino remoto) dos processos de educação escolar e o funcionamento dos espaços de lazer e cultura foram sendo definidos por médicos, políticos e educadores, sem que tenha sido feita uma escuta das crianças, quer sobre suas demandas, quer sobre sua avaliação dos efeitos dessa radical transformação de seu cotidiano. Observa-se a repetição de uma menorização da criança, reduzida a objeto e não a sujeito de ações voltadas para seu bem-estar. Por outro lado, ao longo desse período que temos vivido em situação pandêmica, tem sido extremamente significativo o esforço que a academia tem feito no sentido de realizar pesquisa que permita registar e caracterizar esse fenómeno.Surgiram números temáticos de revistas especializadas -de que são exemplo a Revista Sociedad e Infancias de 2020, que, no seu Volume 4, "Las infancias en el foco de la investigación y vivencias infantiles de la pandemia", reúne um conjunto de trabalhos de autores portugueses, brasileiros, espanhóis e da América Latina, trazendo-nos uma