Entre sirenes, rotas de fuga e exercícios de simulação: vida cotidiana sob os riscos de desastres

Abstract

RESUMO Este artigo problematiza a disseminação institucional recente de dispositivos para a redução de riscos de desastres – caracterizados pela tríade sirenes, sinalização de rotas de fuga e exercícios simulados de emergência – desde uma perspectiva sociológica e em interface com o olhar antropológico. Parte-se metodologicamente da identificação de nexos significativos entre as noções de vida cotidiana, ordem social e communitas para, então, considerar as modulações entre tais nexos no que tange à (in)viabilização do bem-estar coletivo. Embora apresentados no sistema de proteção e defesa civil como sendo estratégias eficazes ante perigos consideráveis, essa reflexão sugere que tais dispositivos de redução de riscos de desastres cumpram uma finalidade subsidiária. Tratar-se-ia de retirar da sociedade uma visão mais crítica sobre as origens dos processos socioambientais geradores de tais perigos. Ao se indagar acerca do quão efetivo esse conjunto de estratégias padronizadas poderia ser diante das dinâmicas socioambientais complexas dos diferentes contextos comunitários nos quais têm sido replicadas, conclui-se que o efeito prático mais preocupante é o de, progressivamente, converter o medo coletivo de uma possível ocorrência de desastres em um meio pelo qual se buscaria naturalizar uma ordem social baseada em comportamentos sociais dóceis a uma ordem social antidemocrática.

As múltiplas expressões dos danos e sofrimentos dos atingidos pela construção de barragens hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai

“…Santos (1999) Perante isso, o ponto de partida é entender os desastres como eventos sociais trágicos e com intensidade de estresse gerado. São acontecimentos físicos, com distintos fatores correlacionados, que mobilizam a experiência humana (VALENCIO, 2009(VALENCIO, , 2020.…”

“…A vulnerabilidade socioambiental está intimamente relacionada com o risco. Sua compreensão permite uma visão mais crítica e desnaturalizante do desastre quanto às pistas dos elementos geradores de perigos (VALENCIO, 2020). Isso quer dizer que a capacidade de reduzir e lidar com os riscos tanto produz quanto resulta em processos de vulnerabilidades -o que repercute em restrições para prevenir os riscos potenciais e imediatos quanto para dar respostas adequadas para as áreas e pessoas afetadas.…”

“…No Brasil são inúmeras as pessoas que buscam sobreviver à margem do Estado, tendo que lidar diariamente com a escassez de oportunidades econômicas, ausência de moradia digna e segura, falta de saneamento básico e parco acesso aos bens e serviços, como os de saúde. A precariedade material repercute na subjetividade e na vivência da descartabilidade das vidas humanas (VALENCIO, 2020).…”

“…Nas palavras dos autores: "[...] cabendo às populações mais pobres dos países de economia periférica arcar com o ônus de suas vidas e saúde para sustentar um modelo econômico iníquo na sua natureza e dinâmica" (FREITAS; PORTO; MINAYO GOMEZ, 1995, p. 509). Valencio (2009Valencio ( , 2020 reitera isso ao considerar a conjunção de fatores que impele ao desastre fruto da racionalidade predatória empresarial -mantida pelo modo de produção perverso e destrutivo de acumulação -produtora de iniquidades socioambientais. Pinheiro e Silva (2019), nessa linha, chamam a atenção que, para aprofundar o debate da questão ambiental é preciso considerar o mundo do trabalho e os agentes econômicos envolvidos.…”

“…Para isso, é preciso sobrepujar uma visão anacrônica e a-histórica desses eventos, desvendando as opressões sociais que os constituem. A ciência, nesse processo, deve problematizar sua função tanto técnica quanto ético-política, buscando superar o "servilismo intelectual" (VALENCIO, 2020, p. 22), nesse campo de forças que subjuga e silencia as narrativas de quem vive e testemunha os drásticos impactos dos desastres (MOLINA, 2011;VALENCIO, 2009VALENCIO, , 2020.…”