No começo de 2010, Sista Telemaque, uma haitiana de 18 anos, ingressou no Brasil pela fronteira de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Ela foi detida, junto com outras pessoas haitianas, porque não possuía visto para transitar no país. Nesse período, pouco se falava a respeito do ingresso no Brasil de pessoas vindas do Haiti. Dois anos depois, em 2013, ao buscar informações sobre essas detenções, conversei com o assessor de imprensa da Polícia Federal de Campo Grande (MS). Ele me respondeu: "Não é a gente que você tem que procurar, não se tornou um caso de polícia [os haitianos], se tornou um caso de governo, sabe, quando entraram a mídia, as ONGs, aí a gente passou para outro órgão, virou um caso político e não da polícia". Ainda que a atuação da polícia seja uma ação de governo -forças policiais são um dispositivo de governo -a distinção feita pelo assessor entre "caso de polícia" e "caso político" é interessante por indicar a percepção de uma mudança. Na conversa, o que ele estava me dizendo? Ao longo deste artigo ofereço algumas chaves de análise para termos uma compreensão nuançada do sentido da pergunta.O assessor buscou separar um caso de polícia de um caso político estabelecendo um marco de ruptura entre o momento da detenção de Sista e um momento posterior que teria outra dimensão. Embora, como já analisado (Vieira 2014(Vieira , 2016, neste contexto de detenções houvesse o começo do desenho de uma população e ações para enquadrá-la, um caso de governo se construiu apenas nos primeiros meses de 2011, colocando o tema da mobilidade haitiana na agenda pública, envolvendo agências variadas e propiciando que os ingressos no Brasil de pessoas vindas do Haiti se transformassem em um "caso político", como disse o assessor.A população do Haiti corresponde a cerca de 10,5 milhões de pessoas (The World Factbook, CIA 2016) e é estimado que milhões residam no exterior. Partidas dos haitianos em direção a outros países, como República Dominicana, Cuba, Bahamas, Estados Unidos, França, Canadá, fazem parte da história do Haiti. Algumas pesquisas enfatizaram especificamente as múltiplas relações e os laços que haitianos situados em outros países mantêm
This article analyses the everyday activities of female traders in open air markets, houses and streets through a comparative approach based on two ethnographies, one situated in Haiti’s Central Plateau, the other in Kongo Central province of the Democratic Republic of the Congo. In both studies, we identify an essential kind of knowledge needed to do business, namely the creation and maintenance of interpersonal relations that help the trader to form stocks, make journeys, guarantee a clientele, loans and financing in settings of uncertainty and economic instability. Simultaneously, we highlight a moral universe that qualifies more and less acceptable ways of obtaining money. In pursuing this comparative approach, we offer an alternative understanding of economies conventionally treated as informal, proposing an analysis primarily focused on the relations of proximity structuring them.
Celso Furtado foi uma dessas personalidades que, entre os anos 1950 e o golpe militar de 1964, sempre estiveram no "olho do furacão" dos acontecimentos no Brasil. Profundamente envolvido nos embates pelas reformas desenvolvimentistas, interveio nas discussões teóricas sobre os rumos da economia nacional, deu os fundamentos do Plano de Metas, elaborou um projeto regional de desenvolvimento para o Nordeste e um plano de cará-ter nacional (Trienal), malogrado na tentativa de dissipar a crise econômi-ca de 1962-63. Todas essas intervenções estiveram sustentadas por concepções referentes à singularidade do capitalismo periférico e dos papéis do Estado, da planificação e dos intelectuais no processo de superação do subdesenvolvimento. Com essas questões em foco, esta pensata 1 tem o objetivo de discutir aspectos do substrato intelectual e ideológico que sustentou as formulações de Celso Furtado.Considerado o mais importante ideólogo e teórico do projeto de construção do capitalismo autônomo no Brasil entre 1950 e 1960, Furtado possui dimensões intelectuais e polí-ticas que transcendem essa época. Mesmo derrotado em 1964, sua leitura da realidade brasileira e seu projeto ultrapassaram esse período, tornando-se influência duradoura que ganhou forma numa escola de pensamento econômico -a estruturalistae alimentou análises e projetos de um amplo leque político e intelectual oposicionista, comprometido com a transformação das bases econômico-sociais do país.Uma afirmação de tal natureza cobra resposta à indagação dos motivos da larga influência e eficácia da penetração de seu ideário, que, como se afirmou, vão além da fase "nacionaldesenvolvimentista". Não há, certamente, explicações simples, ou que possam ser sustentadas apenas pela reconhecida genialidade intelectual do autor. Uma das possibilidades é sua contribuição decisiva para atualizar a questão nacional, que há muito empolgava a intelectualidade brasileira. Uma análise acurada da obra de Furtado -o mais cosmopolita de nossos intelectuais afinados com o pensamento internacional do segundo pós-guerra -, que transcenda questões estritamente econômicas, põe em relevo seus vínculos com certa tradição do pensamento brasileiro, que fez da "construção nacional" o desafio da intelligentsia que, no pós-1930, pensou o Brasil moderno a partir de novos parâmetros teóricos, sejam eles o culturalismo, o weberianismo ou o marxismo. É isso que justifica a conhecida referência a Furtado como um dos "demiurgos intelectuais" do Brasil contemporâneo, ao lado de Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr.Como o mais fecundo teórico da primeira geração de economistas que, ao lado de Raúl Prebisch, deu forma ao pensamento desenvolvimentista na América Latina, Furtado transformou a preocupação da Cepal com o subdesenvolvimento na investigação intelectual da particularidade do capitalismo no Brasil. Segundo ele, esse capitalismo cobrava não apenas um corpo teórico específico para análise, mas também um caminho próprio para o desenvolvimento, sustentado na industrialização e...
pesquisa sobre racismo no Brasil divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo em 1995, 89% dos participantes afirmaram não ter preconceito racial, enquanto apenas 10% admitiram tê-lo. Entretanto, 87% dos entrevistados demonstraram preconceito ao pronunciarem ou concordarem com frases racistas. Repetida em 2011, a pesquisa apresentou as mesmas conclusões.Que racismo é esse, tão peculiar, que nega publicamente a sua existência, mas se manifesta na dimensão privada?A resposta, que não é simples, pode ser procurada na forma conservadora como o Brasil colocou fim à escravidão e tratou seus libertos, sem ressarcimento e incorporação econômico-social, sem integração ou cidadania. Porém, não somente aí. A combinação entre liberalismo político elitista e racismo, além da ressignificação da questão racial e da apropriação simbólica da mestiçagem pela identidade nacional moderna, certamente exerceram papel decisivo, como bem demonstrou a antropóloga e professora da Universidade de São Paulo Lilia Moritz Schwarcz.Não foi por acaso que teorias racistas foram largamente difundidas no Brasil às vésperas da abolição e da República, quando a transformação de "pe-
122T eórico do desenvolvimento e um dos "explicadores" clássicos do Brasil, ao lado de Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Jr., Celso Furtado construiu ao longo de sua vida uma respeitá-vel obra teórica, levando o mundo subdesenvolvido à condição de objeto privilegiado de estudo. Seus trabalhos em muito inspiraram políticas concretas de governos latino-americanos que, após a Segunda Guerra, procuraram romper o círculo da pobreza e do subdesenvolvimento através da industrialização.Hoje, porém, o ideólogo otinústa do desenvolvimento industrial do Terceiro Mundo cedeu lugar ao intelectual indignado e, ao mesmo tempo, cético. Celso Furtado teme agora pelo futuro incerto do Brasil, cuja construção do sistema econônúco nacional foi interrompida e o projeto de desenvolvimento, com base na expansão do mercado interno, liquidado. Frente à hegemonia da onda neo-liberal e à ofensiva contrária a toda e qualquer concepção social que não esteja tão somente subordinada à lógica de mercado, ele propõe a resistência lúcida.O seu livro Brasil: a construção interrompida, lançado recentemente pela Editora Paz e Terra, faz parte desta resistência.São cinco ensaios que tratam da nova ordem mundial emergente ao fim da Guerra Fria, passando pela discussão da armadilha histórica do subdesenvolvimento, pela retomada de algumas das teses de Raul Prebisch e por uma nova concepção de desenvolvimento. Um elemento comum une estes ensaios: a busca do entendimento das mudanças na ordem econômica internacional, manifestada a partir da crise dos anos 70, e do lugar que caberia ao Brasil na lógica capitalista emergente.Para Concomitantemente ao declínio da tutela norte-americana, desenhou-se uma multipolaridade no sistema de poder a partir do debilitamento dos sistemas econômicos nacionais e da emergência de mecanismos de decisões descentralizados e transnadonais.Nessa situação, em que o poder das empresas transnacionais tendem a tornar obsoleta a idéia de nação, perdem eficácia as políticas macroeconômicas e atrofiam-se os mecanismos de intervenção estatal.Em verdade, o que preocupa Celso Furtado, frente a este quadro global, é o futuro incerto dos países subdesenvolvidos, especialmente do Brasil, onde o processo de formação do Estado Nacional se interrompeu precoce· mente. Isto, conforme sua linguagem, significa que aqui não se realizou a difusão dos ní-veis de produtividade e das técnicas produtivas características das nações desenvolvidas, persistindo, também, profundas disparidades regionais de renda.Sem a referência do sistema econômico nacional o que se tem é o império do mercado em estado puro. E, para além disto, no caso brasileiro, a possibilidade da inviabilização do país como projeto nacional pois, "a partir do momento em Jan./Fev. 1993
de Uzawa Hirofuml (1928); dos valores sociais e crescimento industrial de Murakami Yasusuke (1931); da sociedade formada por redes de informações de !mal Kenichi (1931); e, finalmente, da tecnologia e o pensamento econômico de Sawa Takamitsu (1942 128Valendo-se da interpretação de Hegel feita por Alexandre Kojeve, Fukuyama defende a tese de que a humanidade chegou ao ponto final de sua evolução ideológica com o triunfo da democracia liberal sobre o fascismo e, mais contemporaneamente, sobre o comunismo. Vitorioso na Europa e, agora, em expansão pela Ásia (Japão, Coréia do Sul, Taiwan), este regime se estenderá, mais cedo ou mais tarde, a todos os povos civilizados, após a eliminação dos resíduos de passado histórico, localizados nas regiões subdesenvolvidas do Terceiro Mundo: nacionalismos e fundamentalísmos impregnados de toxinas ideológicas e tensões étnico-políticas. Mais do que propriamente término dos conflitos ou mudanças circunstanciais, o fim da história representa, na realídade, o esgotamento de qualquer possibilidade alternativa para o capitalismo e suas manifestações democrático-liberais.Obviamente a finitude da história humana tem custos: ideais heróicos dissipados na monotonia rotineira de comprar, consumir e votar, a arte e a filosofia definhadas e a imaginação política e moral substituídas pela razão pragmática dos cálculos técnicos. Mas, em compensação, estão abertos, em definitivo, os horizontes ilimitados de desenvolvimento econômico.Por se tratar de uma variante otimista e claramente política do discurso filosófico do fim da história, cuja tradição remonta ao final do século XVIII, a concepção de Fukuyama ganhou ampla difusão na mídia, numa estratégia de rnarketing, que o transformou num dos mais divulgados ídeólogos neoconservadores da atualidade.Mas a controvérsia pública gerada pela idéias de Fukuyama seguiu de perto a amplitude de sua divulgação: por motivos diversos, sociais-democratas, comunistas e mesmo alguns liberais e conservadores criticaram e rejeitaram suas teses. No âmbito da esquerda destacou-se, particularmente, Perry Ander· Para Anderson, a versão de Fukuyama do fim da história, apesar de ser produto atual da crise da URSS e do colapso do Leste Europeu, tem atrás de si uma "substancial e intrincada história" um background intelectual, cujo desvendamento esclarece as questões políticas embutidas nesta concepção. Por isto, nos três primeiros capítulos do livro, faz um levantamento das diferentes versóes do fim da história elaboradas a partir de Hegel, um dos principais avalistas filosófi-cos invocados por Fuku yarna.Tendo sempre como contraponto a vertente hegeliana do final do século XVIII, Perry Anderson analisa as idéias de teóricos como Antoine-Augustin Cournot, o pioneiro da moderna teoria do preço: Alexandre Kojeve, a segunda declarada inspiração de Fuku-
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