Não surpreende que os últimos anos da ditadura militar brasileira tenham assistido ao enorme sucesso de dois livros voltados para as memórias de ex-guerrilheiros. O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira, e Os carbonários, assinado por Alfredo Sirkis, confirmam a hipótese de que, depois de um período traumático, há uma grande necessidade de produção de memória. Os motivos são vários, e talvez o principal seja o de, em primeiro lugar, fazer um registro histórico com a intenção de reforçar a veracidade dos fatos traumáticos. Paul Ricoeur é claro: "Para falar sem rodeios, não temos nada melhor que a memória para significar que algo ocorreu" (Ricoeur, 2007, p. 40). A partir desse tipo de narrativa, os arquivos poderão ser constituídos e o trabalho do historiador, começar: "o testemunho constitui a estrutura fundamental de transição entre a memória e a história" (Ricoeur, 2007, p. 40).A memória dos momentos traumáticos tem ainda diversas outras funções que vão da expiação do sofrimento à vontade de pedagogicamente registrar um fato doloroso para que ele não se repita. O testemunho também ajuda na reconstrução de ligações que acabaram rompidas de maneira abrupta. Através dele é possível retomar caminhos destruídos e ligações estilhaçadas. Beatriz Sarlo observa que entre nós isso foi muito comum: "Quando acabaram as ditaduras do sul da América Latina, lembrar foi uma atividade de restauração dos laços sociais e comunitários perdidos no exílio ou destruídos pela violência do estado" (Sarlo, 2007, p. 45).O compartilhamento de experiências psicologicamente violentas, como se sabe, tem ação terapêutica também, já que transfere um dano de início individual para o coletivo, tornando-o, assim, um acontecimento social e, mais além, político:O testemunho e a sua inscrição na cultura são recursos que permitem dar ao que aconteceu um lugar no Outro, sem o qual toda carga de angústia que acompanha o sobrevivente e seus
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