A questão das identidades -pessoais ou coletivas, sociais, locais ou nacionais -é sem dúvida das mais controversas, levantando problemas filosóficos e epistemológicos demasiadamente mal resolvidos até hoje, na minha opinião, por resvalarem com excessiva freqüência para o essencialismo identitário. Foi por isso, creio eu, que a historiografia convencional se manteve cética e mesmo distante perante a questão das identidades. Só há cerca de um quarto de século, com a erosão paulatina do paradigma da história estrutural da primeira Ecole des Annales, correlativa por seu turno à erosão das clivagens políticas tradicionais subjacentes à formação da maioria dos atuais regimes representativos 1 , é que a questão da identidade nacional começou a adquirir, sob a influência crescente da antropologia e da sociologia pós-modernistas 2 , um papel cada vez mais importante na pesquisa e interpretação historiográ-ficas.
513* Este texto foi inicialmente escrito a convite do professor Luís Adão da Fonseca para a Mesa-redonda sobre Identidades Nacionais no Mundo Luso-Brasileiro da Sessão de História do Congresso Brasil-Portugal realizada em Salvador, Bahia, 22-24 de novembro de 2000. A Identidade Nacional Portuguesa: Conteúdo e Relevância*
DADOS -Revista de Ciências
Manuel Villaverde CabralPermanece irresolvida, contudo, no estudo das identidades nacionais modernas a controvérsia acerca do primado da Nação sobre o Estado ou deste sobre aquela. E mais complexo ainda é, seguramente, o estatuto das identidades antigas, isto é, anteriores à Revolução Americana, à ativação política explícita do patriotismo pela Revolução Francesa e, posteriormente, pela eclosão de movimentos de independên-cia nacional desde o século XIX até ao período da chamada Descolonização.
INSTRUMENTALISTAS, PRIMORDIALISTAS E CONCILIADORESCom efeito, parecem-me incontornáveis alguns dos argumentosque não todos -dos autores que, como Ernest Gellner (1993), conferem ao Estado uma espécie de primado empírico sobre a Nação e a correlativa identidade, que surgiria então como o resultado -por assim dizer, compensatório -de processos de aculturação individualizantes e desenraizadores como a urbanização, a industrialização e a própria alfabetização, em suma, aquilo a que, na sociologia histórica, se dá vulgarmente o nome de modernização. Para Gellner, como é sabido, o primado do Estado sobre a Nação, que de algum modo reduz as chamadas identidades nacionais a uma dimensão virtualmente instrumental, pode ser resumido em mensagens de cariz algo provocatório como: "Dêem-me um Estado e eu vos darei uma Nação" ou "As etnias de hoje são nações mal sucedidas; as nações de hoje mais não são do que etnias bem-sucedidas!" (idem). Do mesmo modo, porém, são dificilmente refutáveis alguns dos argumentos -que não todos, também -daqueles que, como Anthony Smith (1986), defendem que nenhuma elite guerreira, cultural e/ou econômica seria suscetível de fundar um Estado se as "massas" que essa elite pretende representar e dirigir não possuíssem, à partida, uma qualquer identidade coletiva re...