Esse artigo visa apontar algumas possibilidades sobre a presença da voz indígena na música popular brasileira, baseadas em diversos exemplos sonoros com destaque para os registros da Missão de Pesquisas Folclóricas organizada por Mário de Andrade. O que mais chama atenção é a qualidade nasal – advinda da língua Nheengatu amplamente usada no Brasil até o século XVIII, tendo influenciado a sonoridade do cateretê, da catira, do cururu (antigos), das modas de viola e outros gêneros da cultura popular. A voz gutural presente nos torés do Nordeste e a voz miúda e escorregadia das cantigas de ninar indígenas (mukuru), ainda ecoam nos cantares maternos atuais, mesmo mesclados à influência ibérica. Destaca-se também o uso do falsete presente na música caipira, e de recursos como suspiros, interjeições, onomatopeias, glissandos – herança advinda da arte oral xamânica indígena que repercutiu na contação de ‘causos’.
This text introduces a brief explanation about the intricate relation between music and narrative, speech and chant, voice and myth, which together are part of the poetical art of the Paiter Suruí, an indigenous people from Rondônia (Amazonia). Part of the cultural heritage of the Paiter Suruí people can be found at the Arampiã Archive that has recordings collected by anthropologist Betty Mindlin, who has been working with the Paiter for more than twenty years. These documents are like “oral-books” of stories of Paiter Suruí life from the past and present. The musicality comes from the Tupi-Mondé language that is rich in onomatopoeias and ideophones, and has exclamations with verbal functions that imitate animals of the forest. The Suruí music shows us that myth is composed not only of fabulous stories, but also by reality. Both are presented through archaic words and metaphorical meanings.
Inventando um gênero literário-textual híbrido – antropofagicamente composto pelo gênero literário/musical erudito denominado rapsódia, que encadeia tradições e estilos literários/musicais heterogêneos diversos, e pelo gênero literário-musical popular urbano denominado rap, um tipo de canto-poema rimado e rap(idamente) declamado/cantado, inventado por comunidades afro-descendentes de países americanos outrora colonizados –, o propósito que orientou a produção do rap-poema cênico que se segue foi o de proporcionar aos leitor@s/expectador@s experiências performativas de leituras (des)equilibristas ditas (auto)terapêuticas – no sentido wittgensteiniano – e antropofágicas, no sentido do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade. Visualmente, à semelhança das colagens dadaístas de Kurt Schwitters e Hans Arp, o rap-poema se assemelha a uma colcha de retalhos composta por 17 caixas de aforismos ou de imagens desconexas e aleatoriamente dispostas ao longo das páginas. Por sua vez, tais caixas remetem, mediante hiperlinks, a vídeos que encenam metonímica ou rapsodicamente o enredo que o rap-poema problematiza – “Ai que preguiça!” –, qual seja, a fisiognomia e o caráter de heróis, anti-heróis, super-heróis, heroínas e crianças. Para realizarem a “leitura” do rap-poema, é preciso que @s leitor@s elejam um percurso aleatório das caixas (desde que percorram todas elas), como, por exemplo: 09 – 06 –11 – 10 – 01 – 07 –16 –12 – 02 –15 –17 –14 – 03 – 08 –13 – 04 – 05, e cliquem com o mouse sobre cada uma delas, segundo a ordem eleita, num movimento de vai e vem entre as caixas de textos-imagens e os audiovídeos aos quais cada uma das caixas remetem, respectivamente. Assim, cada leitura personalizada do rap-poema proporciona a leitor@s a chance de se envolverem com uma experiência (des)equilibrista de produção de significados muito diferente daquela proporcionada por textos verbais-argumentativos característicos do mundo acadêmico, semelhante, porém, a pesquisas que realizamos percorrendo sites diversos da internet. Nessas leituras (des)equilibristas, a produção de sentidos é feita com base em conexões analógicas casuais que cada leitor@ estabelece em suas tentativas de transformar imagens e aforismos desconexos e em uma narrativa contínua e significativa. Assim, tais significações diversas não devem ser vistas como intencionais, subjacentes ou supostamente ocultas no rap-poema, ainda que a produção do rap-poema tenha sido propositalmente orientada por um apelo de problematização do caráter agonístico, competitivo, violento, vingativo, vaidoso, estratégico, astucioso, ardiloso e ilusionista constitutivo das imagens quase sempre maniqueístas, supra-humanas, mascaradas, belicistas, machistas e adultocêntricas de heróis, anti-heróis, super-heróis e heroínas construídas ao longo das histórias da filosofia, da literatura, das artes, do cinema e dos quadrinhos. Tais imagens têm sido reiteradamente mobilizadas e comercializadas como modelos ideológicos formativos de crianças de quase todas as épocas e nações. Talvez seja por isso que narrativas que inventam heróis, anti-heróis, super-heróis e heroínas sempre os encenem já adultos – eles são sempre não-crianças, com a exceção, talvez, de Macunaíma, que já nasce herói, ainda que sem nenhum caráter –, e que as raras memórias de seus tempos de crianças só muito recentemente comecem a adentrar as salas de cinema com o propósito de se descontruir derridianamente as imagens ideológicas de heróis que essas narrativas mobilizam.
scite is a Brooklyn-based organization that helps researchers better discover and understand research articles through Smart Citations–citations that display the context of the citation and describe whether the article provides supporting or contrasting evidence. scite is used by students and researchers from around the world and is funded in part by the National Science Foundation and the National Institute on Drug Abuse of the National Institutes of Health.
hi@scite.ai
334 Leonard St
Brooklyn, NY 11211
Copyright © 2024 scite LLC. All rights reserved.
Made with 💙 for researchers
Part of the Research Solutions Family.