Partimos da ideia de que o pensamento diferencial, em educação, é caracterizado por um maquinismo que compreende duas dimensões principais: a da construção (ou produção) e da escala (ou perspectiva). Dentre todas as formas de construção, privilegiamos a que é engendrada pelo que chamamos – reverberando algumas proposições de Deleuze e Guattari – de máquina literária ou ficcional e que opera através de uma perspectiva de leitura, produzindo um discurso que não poderia ser considerado nem verdadeiro nem falso, pois é destinado àquilo que ainda não existe ou que existe somente em potência. Argumentamos, ainda, que a realidade é produto de uma espécie de intertextualidade conformadora das existências, ou pelo menos no que diz respeito a seu sentido e valor. Na articulação de tais mecanismos são maquinadas as existências. Contudo algumas delas, apesar de existirem, possuem uma realidade bastante precária. Por isso, acompanhando as leituras de Étienne Souriau feitas por David Lapoujade, afirmamos que povoar o mundo – e consequentemente a educação – de ficções (que são uma radicalização dos seres identificados como virtuais pelos autores) consiste em um procedimento inseparável da defesa dessas existências frágeis.
Neste texto, apresentamos alguns precedentes responsáveis pela emergência do que chamamos de procedimentos de guerrilha escritural. Tais procedimentos têm como principal objetivo a tentativa de produzir rachaduras no tipo de subjetividade engendrada pelos inúmeros dispositivos semióticos capitalísticos que nos demandam adaptação àvelocidade informacional. O efeito mais imediato de tal aceleração contínua é o empobrecimento da experiência e consequentemente a redução das expectativas quanto ao futuro. Este percebido, cada vez mais, como algo catastrófico ou, no limite, impossível. Sobretudo em educação, os procedimentos propostos ambicionam promover experimentações com o espaço, o tempo e um si mesmo articulados em modulações imprevistas.
Este texto problematiza as possibilidades inventivas envolvidas numa aula (entendida aqui como inseparável da produção de pensamento) sob as condições restritivas impostas pela pandemia causada pelo novo coronavírus. Parte do pressuposto de que para que o pensamento aconteça é fundamental seu contato com as forças do que Deleuze (2005), Foucault (2006) e Blanchot (2011) chamaram de Fora. Por isso propõe um procedimento poético assentado numa espécie de máquina de leitura e de tradução como possibilidade de contato com tais forças. E, como base, como possibilidade dessa invenção em educação, elege um tipo de leitura que falseia os materiais com que se depara e que, num certo sentido, desrespeita-os. Defende a ideia de que tal movimento, em condições de enclausuramento, só se torna possível porque o dentro é constituído pela dobra do Fora sobre si. Em tais condições, a invenção de uma aula teria então de virar pelo avesso essa dobra e produzir algo como uma linguagem para aquilo que ainda não sabemos.
O filósofo David Lapoujade discorre sobre a obra do escritor de ficção científica Philip K. Dick. Partindo de uma leitura muito particular, aponta como principal característica de seu universo ficcional o pensamento através de mundos. Mundos pensantes que colocam em questão a realidade dos próprios indivíduos, agora meros coadjuvantes. Em Dick, as fronteiras entre os humanos, as máquinas, os mundos, o sonho e a vigília estão irremediavelmente comprometidas, uma vez que somos confrontados por mundos que operam por meio de um delírio generalizado. Lapoujade nos mostra que o objetivo do autor é questionar o estatuto da realidade mesma.
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