O objetivo deste artigo é analisar as barreiras raciais e discriminatórias impostas aos africanos e afrodescendentes libertos e livres, ao longo do século XVIII no Caribe Francês, a partir de fontes documentais e da historiografia que investiga as experiências dos “livres de cor”, principalmente na Martinica. Ao que tudo indica, a “racialização” da escravidão induziu o recrudescimento das hierarquias raciais, sobre as quais foram erigidas as colônias americanas, e o desenvolvimento do preconceito de cor, que se estabeleceu tanto nas possessões francesas como na metrópole no século XVIII. Ademais, esta análise visa demonstrar como esse processo fomentou a construção de uma imagem “racializada” e depreciativa em relação às mulheres negras do Caribe Francês, sobretudo a partir do discurso frequente acerca da vinculação entre alforria e mestiçagem.
Em diferentes zonas de contato nas sociedades escravistas da América e do Caribe, histórias sobre relações entre mulheres negras escravizadas e homens de origem europeia, geralmente seus senhores, foram mencionadas em relatos de viajantes e de missionários, na literatura e em documentos oficiais desde o século XVII, em geral escritos por homens brancos. As imagens construídas sobre as mulheres são frequentemente estereotipadas e suas experiências e atuações invisibilizadas por essas narrativas, o que fomentou a construção de uma imagem racializada e depreciativa sobre as mulheres negras do Caribe Francês, sobretudo a partir do discurso frequente que vinculou alforria e mestiçagem. Neste artigo, visando demonstrar as limitações e os estereótipos presentes nas fontes escritas por homens brancos, exponho resultados de minha pesquisa sobre a conquista da alforria na Martinica, em uma abordagem de história social, procurando demonstrar alguns indícios de experiências de mulheres negras escravizadas nas Antilhas Francesas e suas lutas por sua liberdade e de suas famílias. Desse modo, busco evidenciar a fragilidade do argumento o qual afirma que a mulher negra escravizada teve acesso a sua alforria e de seus filhos predominantemente por meio de suas relações afetivas (e desiguais) com os homens brancos.
Resumo: Nos anos finais da escravidão no mundo Atlântico francês, a política colonial passou por mudanças que afetaram o domínio senhorial. Sob a Lei Mackau, regulamentaram-se os direitos das pessoas escravizadas ao pecúlio e à compra de sua alforria e de seus familiares, por meio do resgate amigável ou forçado. A partir da investigação de um conjunto documental sobre a Martinica, este artigo explora evidências que apontam a preponderância de mães escravizadas e seus filhos entre os sujeitos que conquistaram a liberdade no Caribe francês por meio do resgate forçado parcialmente indenizado por um fundo estatal. Esta investigação busca analisar tanto as visões da classe senhorial e dos governos colonial e metropolitano, quanto a agência das mulheres e de suas famílias nos processos de resgate forçado. O objetivo deste estudo é compreender, em perspectiva interseccional, as imbricações entre maternidade, escravidão e conquista da liberdade.
Os estudos sobre as experiências e contextos históricos que envolveram os povos de ascendência africana nas Américas constituem um campo de pesquisa potente desde a primeira metade do século XX. A crescente demanda tanto na academia quanto dos movimentos sociais por pesquisas e reflexões sobre a história de homens e mulheres afrodescendentes na Era das Emancipações e após a Abolição da escravidão, ao longo de todo o continente americano, nos impulsionou a propor esse dossiê. Nada mais apropriado que a coletânea de artigos aqui reunida fosse ofertada pela Revista Eletrônica da ANPHLAC, cujo objetivo é publicar estudos sobre a história e o ensino de história das Américas.
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