É no contexto do pós-Estado Novo, quando o revisionismo toma conta da produção historiográfica sul-rio-grandense, que os escritos de Gilberto Freyre obtêm maior repercussão entre a intelectualidade sulina. O artigo detém-se sobre as motivações desse alinhamento tardio com as opções analíticas do autor recifense. Em um momento marcado pela ascensão das ciências sociais e pela perda de autoridade das narrativas históricas até então centradas no papel integrador dos heróis militares, historiadores e críticos locais atuam conjuntamente em favor da reversão dos motivos que apartavam a produção textual da "província" dos temas em voga no centro do país. Nesse passo, fez-se mister a aproximação da História com o Folclore, este apreendido não mais como um ramo da filologia ou do regionalismo literário, mas sob um viés "sociológico".
O artigo examina a participação gaúcha no autodenominado Movimento Folclórico Brasileiro, entre as décadas de 1940 e 1960. Os participantes locais são divididos em duas categorias de folcloristas: os folcloristas do tradicionalismo e o grupo de intelectuais e artistas da Comissão Estadual de Folclore (CEF), representante oficial da Comissão Nacional de Folclore (CNFL) no Rio Grande do Sul. A assimetria dos dois grupos - desiguais em autoridade e posição social - nas esferas regional e nacional de reconhecimento mútuo é a base sobre a qual os atores conceberão distintamente a própria ancestralidade, sua atividade profissional e a finalidade social dos estudos de Folclore.
P oucos estudiosos da formação do campo intelectual brasileiro ousariam, hoje, desconsiderar a importância de agremiações de eruditos, institutos de pesquisa, museus, arquivos e bibliotecas criados ao longo do século XIX para a gestação das ciências e da comunidade acadêmica contemporâneas. Contudo, as características dos espaços onde se desenvolveram essas atividades, as formas privilegiadas de auto-representação pelos praticantes, as modalidades de acesso, enfim, os parâmetros conceituais e de sociabilidade que estruturaram hierarquias de autoridade entre agentes e disciplinas integrantes do particular ambiente acadêmico que antecedeu a implantação de um sistema educacional em nível superior no país, esses permaneceram por décadas temas alheios aos campos de experimentação freqüenta-dos pela pesquisa de extração universitária. Enquanto nos estudos alinhados à história das ciências de viés naturalista reinou, por anos, o pressuposto de que experimentação e controle em laboratório fossem ingredientes necessários à titularidade científica, nas ciências sociais, em que essa condição é, por motivos óbvios, reivindicada com maior parcimônia, o paradigma institucional modelado por Max Weber não deixou de cumprir uma função pacificadora. Em tal domínio, embora os marcos fundacionais variassem entre o estabelecimento das universidades na década de 1930 e sua departamentalização ao final dos anos 1960, os balanços históricos tiveram o foco centrado em dois estados -Rio de Janeiro e São Paulo -e em duas perspectivas: uma, questionando os pressupostos dos estudos dos autores nacionais à luz do padrão e da qualidade da pesquisa desenvolvida em outros países; outra, aferindo os graus de 'autonomia científica' perante as opiniões e instâncias de decisão política. Por trás da convicção apriorista de que não era possível falar em especialidades e especialistas até que se estabilizassem as condições de produção de pesquisa 'isenta', a segunda geração de autores pós-graduados não deixou de farejar as dificuldades de lidar com essa 'história partilhada' (Corrêa, 1995, p.29). A começar pelo estatuto ambíguo dos registros, que não se reduziam à condição de fonte documental -suporte de informação -mas se constituíam também em veículo de memória pessoal para os interessados.Dadas as complicações intrínsecas à proximidade com o objeto e considerando, além disso, a até agora débil interlocução entre as duas linhas de pesquisa aqui referidas -história das ciências e do pensamento social brasileiro -, não admira a quantidade de lacunas a suprir sobre o desenvolvimento de saberes formais, sobretudo em regimes de
Acervo do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (www.cnfcp. gov.br), Rio de Janeiro RJ. 3XEOLFDomR VHP ¿QV OXFUDWLYRV GLULJLGD DRV SUR¿VVLRQDLV H HVWXGDQWHV GH +LVWyULD 7HP como objetivos incentivar a publicação de pesquisas e disponibilizar novas temáticas e fontes aos pesquisadores. O conteúdo e a metodologia empregados nos artigos são de inteira responsabilidade dos autores. DOSSIÊ PATRIMÔNIO E MEMÓRIA Apresentação: Patrimônio e memória, convite para um diálogo Janine Gomes da Silva, Letícia Borges Nedel .
Nos mais de vinte e cinco anos decorridos desde o prematuro desaparecimentode Michael Pollak, não faltaram ocasiões editoriais em quecompanheiros de geração, herdeiros e admiradores ilustres reverenciaram amemória do colega e autor, dono de uma produção abundante, caudatáriadas causas que defendeu em vida. Multiversa como as «feridas» em tornodas quais articulava seu interesse de pesquisa pelas dinâmicas identitárias,especialmente pela gestão das identidades sob condições extremas, a produçãoescrita deixada pelo intelectual austríaco compõe-se de dezenas detextos cujo traço característico unanimemente reconhecido pelos comentadoresé o vínculo estrutural, material e afetivo que mantém com a experiênciade vida do pesquisador.
Regionalismo, historiografia e memória: Sepé Tiaraju em dois temposResumo. O artigo explora o modo como diferentes processos e atores laboram a formalização de memórias coletivas, focalizando especificamente as relações entre regionalismo e identidade nacional no Rio Grande do Sul. Retomando posições divergentes quanto ao "peso" das Missões na configuração da memória local, examina formas oficiais e subterrâneas de representação da ancestralidade gaúcha. Ambas se encontram vinculadas a um discurso regionalista patenteado, de um lado, pela ação do Estado em suas relações com os intelectuais e, de outro, por sujeitos identificados com a arte popular e com o tradicionalismo. Finalmente, chama a atenção para as relações de interdependência entre História e memória, observando que o conhecimento acerca das arenas de luta pelo controle da cultura e dos imaginários permite recolocar a questão dos estilos de construção historiográfica, relacionando-as à identidade social do historiador. Palavras-chave: Memória. Historiografia. Regionalismo. Rio Grande do Sul. *Letícia Borges Nedel é Mestre em História Social pela UFRJ e Doutoranda em História na UnB.Este texto aborda parte do processo de construção de uma memória histórica nacional para o Rio Grande do Sul, examinando duas variantes de um discurso regionalista que é patenteado e veiculado, de um lado, pela ação do Estado em suas relações com
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