o desenvolvimento da personalidade do sujeito, pois, em torno do ato de morar, normalmente se estabelecem relações e vínculos sociais fundamentais para a vida, tais como a amizade e/ou a familiaridade com o ambiente em que se vive. 1 Consideramos discurso normativo o conteúdo propriamente dito da lei (em sentido amplo), bem como as correspondentes diretrizes interpretativas abstratamente sugeridas pela doutrina jurídica e/ou por órgãos autorizados -como o Comitê da Organização das Nações Unidas, ONU, no caso das declarações e tratados internacionais. O que caracteriza o discurso normativo, portanto, é o fato de ser construído em tese e em geral. Dele difere a prática judicial, corporificada nos processos judiciais instaurados em nossos tribunais, pois aqui estamos no âmbito da construção de atos e decisões que incidem -direta, imediata e coativamente -sobre casos concretos. Consideramos, por fim, a prática judicial prevalecente aquela refletida em decisões judiciais reiteradas que revelam uma tendência de nossos tribunais, formando o que se convencionou chamar no Brasil de "jurisprudência". DO DISCURSO NORMATIVO VIGENTEEste capítulo está dividido em duas partes. Na primeira, demonstraremos que existe há muito tempo proteção legal válida e apta a produzir efeitos em torno do direito à moradia, proteção essa cada dia mais vigorosa e ramificada. Na segunda, demonstraremos que o alcance interpretativo dessa proteção normativa finca-se numa concepção genérica e autônoma da moradia, que abrange os assentamentos informais -e nem poderia ser diferente. A PROTEÇÃO LEGALAssim como numa tragédia grega anunciada, em que o homem, por ultrapassar sua medida (o métron), é punido com a cegueira da razão (a ate), abatendo-se sobre ele o destino cego (as garras da Moira), também a cultura jurídica formal-positivista, predominante durante boa parte do século XX no Ocidente, paga seu preço. Fica marcada na História como aquela que, em seu apego excessivo e servil à autoridade da norma jurídica como forma abstrata, e não conteúdo, desmereceu, no Direito, indagações sobre justiça e realidade social; aquela cultura que, buscando a pureza do Direito, desumanizou-o; que institucionalizou genocídios; aquela cultura que, portanto, foi punida com a cegueira da própria lógica que acreditava defender e aceitou, passiva e desorientada, o destino cego da humanidade, entre totalitarismos de direita e esquerda. 2 Como que a fazer um exame forçado de consciência, no pós 2ª Guerra, as nações firmaram unanimemente em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da então recém-criada ONU. 3 A Declaração, hoje sexagenária, visava fundar um ordenamento jurídico internacional centrado no valor fundamental e global da primazia da dignidade humana, isto é, na prevalência da ideia da pessoa como um fim em si mesma, como sujeito de direitos pelo simples fato de ser pessoa, e não coisa ou objeto, o que tornou não mais uma questão apenas de soberania a relação de um determinado Estado com seus nacionais. A despeito de algumas reticências de juristas...
A construção histórica do modelo proprietário no Brasil:Uma hipótese sobre o direito à moradia 1 The historical frame of property model in Brazil: a hypothesis about housing rights João Maurício Martins de Abreu 2 Resumo Este artigo é a continuação de outro, anteriormente publicado, onde foi constatada a baixíssima efetividade do direito à moradia em processos judiciais que visam ao despejo forçado de assentamentos informais. Nossos tribunais muitas vezes se amparam em argumentos que remetem a um modelo proprietário oitocentista. No esforço de compreensão do fenômeno, como passo necessário à modificação consistente das práticas, pretendemos, num primeiro momento, investigar a emergência normativa do citado modelo proprietário no Brasil, com enfoque na caracterização do marco delimitador do legal e do ilegal em matéria de acesso à terra, ao solo urbano e, consequentemente, à moradia. Segundo essa lógica, construída a partir da segunda metade do século XIX, a moradia só seria constituída legalmente a partir do desdobramento dos poderes do proprietário. Fora desse quadro, a moradia seria irremediavelmente ilegal. A fim de mostrar a face social do fenômeno, que muitas decisões judiciais pretendem regular dessa maneira, a segunda parte do trabalho aborda a evolução da questão habitacional (principalmente no que tange à escassez) na metrópole do Rio de Janeiro, desde o final do século XIX até a segunda metade do século XX. Como conclusão, apresentamos ao leitor, como um caminho a explorar, uma primeira hipótese (não a única) para a baixa efetividade e consideração do direito à moradia nos processos judiciais em torno dos assentamentos informais, sinalizando desde já para uma hipótese complementar em fase de elaboração.Palavras--chave: propriedade, mercado formal, moradia.
Resumo Com este artigo pretendo contribuir para a organização e o avanço das pesquisas jurídicas espinosistas em curso e, também, com o encorajamento de novas iniciativas, a partir do enfrentamento de questões epistemológicas e, consequentemente, de método, que se apresentam a pesquisadores e interessados na obra do filósofo. Há cânones jurídicos e filológicos que, se não forem enfrentados com segurança, podem bloquear o desenvolvimento dessas pesquisas e do possível interesse em novas. O objeto do texto é expor os obstáculos, fazer sua crítica e, ao mesmo tempo, sugerir caminhos de superação. Os dois grandes problemas tratados são estes. Primeiro: como podem reivindicar-se “jurídicas” pesquisas baseadas na obra de Espinosa que não ofereçam soluções doutrinárias? Segundo: em que medida e de que maneira podemos teorizar hoje, pensando nos problemas contemporâneos do Brasil, a partir de uma obra de passado e contexto relativamente afastados do nosso, como a obra de Espinosa?
O presente ensaio problematiza o forte vínculo estabelecido por Émile Durkheim, naobra Da divisão do trabalho social, entre Direito e moralidade social. O autor sustenta que a ordem jurídica das sociedades é o “símbolo visível” da moralidade ali predominante. Segundo ele, nas sociedades ditas simples, ou seja, naquelas em que a divisão do trabalho é pouco desenvolvida, as características particulares dos indivíduos são frágeis, enquanto a consciência comum é forte. Conseqüentemente, praticamente todo desvio comportamental dos indivíduos representa um crime. Por outro lado, nas sociedades ditas complexas, a divisão do trabalho está bastante difundida e, conseqüentemente, criam-se características particulares que diferenciam progressivamente os indivíduos; daí por que predominam, nessas sociedades, normas restitutivas, em vez de normas penais. Durkheim conclui, então, que é possível avaliar o grau de divisão do trabalho, complexidade e moralidade das sociedades através da análise do ordenamento jurídico ali prevalecente. Este ensaio critica uma tal concepção, procurando demonstrar que, especialmente no caso brasileiro, a relação estabelecida entre Direito e moralidade por Durkheim não procede: o ordenamento jurídico não parece oferecer prova alguma sobre nossa moralidade – seja atualmente, ou no passado.
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