As múltiplas notabilidades de Afonso Arinos: biografias, memórias e a condição de elite no Brasil do século XX Igor Gastal Grill Resumo No artigo são analisadas as bases sociais e os suportes institucionais que constituem as multinotabilidades de Afonso Arinos, protagonista de disputas políticas e intelectuais ao longo do século XX no Brasil. O foco recai, por um lado, nos amálgamas entre notoriedade social (genealógica, familiar, profissional e intelectual) e reputação política (atribuições, cargos, lideranças, atributos e feitos), por outro, nas tensões decorrentes das responsabilidades herdadas, da divisão do trabalho político familiar, da inscrição em domínios diversos, da compatibilidade de gramáticas divergentes, entre outras. A partir da produção biográfica e autobiográfica relativa ao personagem são exploradas: (i) as articulações entre a "vocação" para representar (nos mais variados sentidos que a expressão pode adquirir) e a "arte" de escrever; (ii) os usos sociais, ideológicos e políticos do trabalho coletivo de produção de créditos sobre uma personalidade política; (iii) a gestão da própria imagem e as teorizações nativas sobre a profissão política presentes nas memórias de um político. O tratamento dessas dimensões revela os contornos de um mosaico de competências legítimas para a consagração política e intelectual: habilidades, saberes e trunfos não necessariamente conciliáveis ou livres de processos traumáticos originários da justaposição ou redefinição de papeis, ocasionados, por sua vez, pela reconfiguração do espaço político e por exigências de readequação das estratégias de reprodução familiar. Do mesmo modo, mediante a análise de um conjunto de tomadas de posição do personagem e sobre ele vêm à tona distintos mecanismos edificadores da "multinotabilidade" do agente e de certos domínios de inserção, que aparecem como produtos e produtores da multiposicionalidade desfrutada por uma elite letrada e votada que comandou, simultaneamente, diferentes esferas de atuação política e cultural. Conjuga-se a isso, a possibilidade de compreender como o volume dos capitais possuídos e a combinação entre eles conferem a Afonso Arinos não somente a autoridade para produzir, manipular e impor definições sobre o exercício do métier do político e do "homem de letras", como também o potencial sem equivalentes acumulado para a gestão de identidades estratégicas. PALAVRAS-CHAVE: elite política; intelectuais; memórias; biografias; profissão política. Recebido em 31 de Outubro de 2013. Aprovado em 15 de Janeiro de 2014. I. Introdução 1"C omo englobar em escassas páginas cada uma das múltiplas faces desse poliedro humano?", indagou Pedro Nava, referindo-se a seu contemporâneo de "rodas intelectuais" e conterrâneo de Minas Gerais, Afonso Arinos de Melo Franco, em prefácio intitulado "Afonso", escrito para o livro-entrevista O intelectual e o político: encontros com Afonso Arinos (Nava 1983, p. 27). O médico e escritor Pedro Nava referia-se aos múltiplos e concomitantes papeis exercidos, ao longo do século XX, por ...
IntroduçãoNos empreendimentos inaugurais e mais sistemáticos no âmbito das ciências sociais, as discussões declaradamente apresentadas como dedicadas "às elites" debruçaram--se sobre segmentos e domínios políticos. Em decorrência, na divisão do trabalho científico -que, como enfatizou Bourdieu (2004), acaba correspondendo a uma divisão real do real -, a referida categoria (não raro tomada de modo substancialista) se constituiu em objeto privilegiado da ciência política, firmando-se espontaneamente como sinônimo de elite política e, inclusive, exercendo papel não negligenciável nas estratégias de institucionalização dessa área de conhecimento 1 . Apenas mais recentemente pesquisadores de outros campos e vertentes têm operado descentramentos daquele quase monopólio disciplinar, sobretudo flexibilizando os segmentos investigados e os modelos de análise mobilizados. E essas reflexões têm oportunizado redimensionar o tratamento dos grupos politicamente dirigentes 2 . Seguindo essas trilhas, propomos neste artigo a ordenação de três bases de multinotabilização das elites políticas no Brasil. Apoiados em resultados de pesquisas inscritas no campo de estudos sobre profissionais da política, que realizamos em diferentes fases das nossas trajetórias acadêmicas, discutimos o peso: (1) dos grupos 1. Ver Braud (2001) e Coradini (2016). 2. Para uma discussão mais detalhada, consultar Reis e Grill (2016).
O estudo trata dos efeitos da diversificação da estrutura social, da elite política, do espaço universitário e da formação de bacharéis em Direito, centrando especificamente na influência de tais processos no perfil e no comportamento dos parlamentares gaúchos (1945-2004) oriundos de “famílias de políticos”. Para tanto, foram examinados os itinerários escolares, profissionais e políticos de ocupantes de cargos legislativos na Assembléia Legislativa e na Câmara Federal que são provenientes dos cursos de Direito constituídos no Rio Grande do Sul ao longo do século XX e também são descendentes de grupos familiares que se notabilizaram pela ocupação de cargos eletivos. O material empírico privilegiado na pesquisa em pauta foi um banco de dados construído com base em entrevistas em profundidade, repertórios biográficos, memórias e biografias individuais.
No artigo são examinados os processos de especialização política, as carreiras e os perfis de deputados federais (1945-2006) em dois estados brasileiros (Rio Grande do Sul e Maranhão), identificando as vinculações entre profissionalização política e hierarquização social. São cotejadas as combinações entre bases sociais, trajetórias e concepções de política que apontam para modalidades diferenciadas de afirmação e reprodução políticas. A partir disto, são comparadas as dinâmicas de diversificação social da "elite política" nos dois estados, os condicionantes para ascensão política, as estratégias de reconversão de bases sociais em bases eleitorais e as redefinições dos mecanismos de legitimação dos papéis políticos ao longo do tempo e em cada configuração regional. As fontes privilegiadas na pesquisa foram repertórios biográficos, memórias, biografias e entrevistas em profundidade.
A reflexividade sobre o uso de esquemas analíticos é prática indispensável aos cientistas sociais que visam afinar os instru- mentos conceituais mobilizados e fazer avançar a tarefa de apre- ensão dos fenômenos sociais. Neste artigo propomos discutir potencialidades e limites do uso de certos modelos e conceitos ao estudo de segmentos de elites no Brasil. Como eixo central, problematizamos a noção bourdieusiana de campo para pensar em dimensões de investigação que podem ser contempladas, adaptações e flexibilizações possíveis, tendo em vista contextos e universos empíricos discrepantes. A partir disso, e com base em pesquisas e reflexões acumuladas, reunimos algumas dire- trizes e noções, como as de domínios e de multinotabilidades, que nos parecem pertinentes à análise de configurações marca- das pela plasticidade e indiferenciação de lógicas, princípios e papéis.
O trabalho de fabricação de "etiquetas" e "ícones" da política brasileira é examinado neste artigo. O foco recai sobre "vultos" e intérpretes da história política de dois estados brasileiros, Rio Grande do Sul (RS) e Maranhão (MA), assim como sobre as versões produzidas acerca do "Getulismo", "Pasqualinismo", "Brizolismo", "Vitorinismo" e "Sarneysismo". O exercício de análise executado consistiu em perceber as ligações entre os intérpretes desses "ismos", os líderes políticos e os tecidos relacionais que dão sentido às identificações, distinções e tomadas de posição. Ou seja, foram analisados os recursos sociais sobre os quais assentam (i) sua reputação política e intelectual (origem social, reconhecimento profissional, cargos políticos, títulos e pertencimento a instâncias de consagração intelectual); (ii) seus alinhamentos políticos e (iii) seus movimentos nos jogos faccionais nas duas configurações regionais. Mediante a análise dos seus itinerários e das modalidades de textos (biografias, livros e artigos de jornais) produzidos, a reflexão explora os usos e a relevância, como instrumentos políticos e como meios de identificação: da ativação da memória política; das genealogias simbólicas; da personificação do capital simbólico; das relações de reciprocidade; do papel de mediação; das bases sociais e do domínio de uma forma de expressão que é a "escrita" ou da associação ao universo da intelectualidade.
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