Resumo: O saber popular, sobretudo aquele enraizado no romanceiro iberoamericano, traduz uma concepção de mundo ainda pautada nos direcionamentos conservadores sobre gênero, sexo e sexualidade. Homem e mulher são geralmente delineados como figuras antagônicas, diferentes, com funções específicas e identificadas por uma hierarquia discriminatória e perversa. Reside, nessas reflexões, nossa proposta de estudo: examinar, no romance oral Tens um filho sem marido, as configurações ideológicas de um ordenamento social edificado pelo patriarcado, o qual se afirma e se consolida em seu diálogo --ora afinado, ora ruidoso --com o catolicismo popular.Abstract: The popular knowledge, especially when rooted in the ibero-american ballads, reflects a worldview still ruled by conservative directions on gender, sex and sexuality. Men and women are generally outlined as antagonistic figures, different, with specific functions identified by a discriminatory and perverse hierarchy. Our purpose is to investigate those ideas trough the study of the oral novel Tens um filho sem marido. There, we can find the ideological configurations of a social arrangement built by the patriarchal ideology, which affirms and consolidates itself through a complex dialogue with popular Catholicism. Nº 56, JAN-JUL|2017, Salvador: pp. 83-96 2 INTRODUÇÃO O texto poético mantém uma ligação estreita, quase simbiótica, com a sociedade. A Antiguidade, o Período Gótico, a Idade Moderna e a Contemporaneidade insurgem na literatura com seus heróis e guerreiras, com seus deuses e feiticeiras, com seus homens e mulheres, e mais tarde, com seus negros e brancos, com seus homossexuais e heterossexuais, dando-lhes feições particulares. O maquinário literário, em perene estado de mudança, acompanha as vicissitudes do corpo social. A problemática de gênero, as questões de etnia, as diferenças de classe, as síndromes da sexualidade e o trauma das paixões esteiam-se como estruturas arquetípicas que, ora jazem adormecidas, ora se propagam impetuosamente. Na literatura, não basta reiterar condutas sociológicas e psicológicas para um exame parcial e estereotipado dessas categorias. Por envolverem o psiquismo humano, podem ser melhor apreendidas e descritas por entremeio da análise dos elementos que as constituem: sujeito e discurso. O objetivo deste estudo é analisar, numa perspectiva discursiva, as configurações sociais da perversão, na literatura popular, a fim de compreendermos como um comportamento (uma condição), envolto pelo signo da corrupção -e, portanto, associado à dor, ao horror e ao sofrimento -, mantém laços estreitos com o amor, com as relações familiares e com a religiosidade, arremessando o indivíduo ao isolamento, à negação da alteridade ou à barbárie. Na ótica lacaniana, ao nível do fantasma perverso, todos os elementos estão lá, mas tudo o que é significação está perdido, a saber, a relação intersubjetiva (1981, p.85). O que podemos chamar de significantes em estado puro se mantêm sem a relação intersubjetiva, esvaziados de seu sujeito. Resulta,
RESUMO: A partir de textos de Freud, Ogden, Leader, Ricœur e da análise de S. Bernardo, propomos três características de uma autobiografia melancólica: é uma forma literária da autorrecriminação; do espaço privado; e que não é produto de um trabalho de rememoração, mas de uma compulsão de repetição. Em seguida, comparamos a escrita de Infância e S. Bernardo, particularmente em relação às imagens sonoras, às ideias e atitudes e à relação entre pais e filhos. Por último, defendemos que a estrutura melancólica é uma potência, e não um limite criativo.
Em 1966, no auge da ditadura militar no Brasil, Nelson Rodrigues teve o seu romance, O casamento, publicado há apenas um mês, censurado. Através de uma portaria assinada em 12 de outubro por Carlos Medeiros Silva, ministro da Justiça do marechal Castello Branco, veio a determinação da apreensão do romance rodriguiano das livrarias brasileiras, sob o argumento de que a dita narrativa era portadora de discursos com “torpeza nas cenas descritas e linguagem indecorosa”, um verdadeiro “atentado contra a organização da família” (RODRIGUES, 2016, p. 264). Passados mais de cinquenta anos da publicação do único romance assinado com o nome de batismo do mais conceituado dramaturgo brasileiro moderno, notamos como os temas apresentados em O casamento continuam a afrontar o moralismo do Brasil vigente. Ao representar uma família tradicional nos preparativos para o matrimônio de um dos seus membros, Nelson Rodrigues expõe, como corrobora Alexandre Pianelli Godoy (2012, p. 106), o paradoxo entre “o sentimento de descrédito da instituição familiar dentro da própria família” e a inversamente proporcional valoração ideológica, por parte dos mesmos parentes, de dogmas conservadores, patriarcais. Nesse sentido, objetivamos, neste trabalho, analisar como as personagens do romance em tela negociam com a normatividade paterna, autoritária, religiosa, misógina e homofóbica, tão em desacordo com seus desejos conscientes e/ou inconscientes de masoquismo, sadomasoquismo, exibicionismo, voyeurismo, homoafetividade, adultério, incesto e abuso sexual. Montado o drama da família tradicional burguesa, dividida entre a regularização e a secularização, compreenderemos as tensões dos desejos de “moralidade” contra os de “imoralidade” com base na Psicanálise freudiana, através de obras como Totem e tabu (2012), O mal-estar na civilização (2010) e Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade (2016), as quais problematizam a construção das proibições sociais relacionadas ao sexo, o sacrifício da pulsão de desejo individual em detrimento da harmonia da coletividade e o modo como a sexualidade vem a ser organizada, respectivamente. Conforme apontaram Edmundo Gómez Mango & J-B Pontalis (2013), bem como Jean Bellemin-Noël (1978, p. 19), acreditamos ser a teoria psicanalítica fundamental no processo de decifração do criptograma em que se transforma, “sem o saber nem querer”, o texto literário. Ao lado da bibliografia psicanalítica, também contribuirão, para os nossos aprofundamentos, as pesquisas desenvolvidas no âmbito da crítica literária por Sábato Magaldi (1992), Jean-Marie Thomasseau (2012), Alexandre Godoy (2012), Victor Pereira (2012), Ângela Dias (2013), dentre outros. Nas considerações desse artigo, apresentaremos achados que desembocam os desejos das personagens de O casamento em condições punitivas, sentimento de culpa, hipocrisia, crime, morte, tragédia e deterioração da instituição familiar, revelando ser o próprio título da obra a representação de um modelo organizacional que põe em xeque o que pode haver de mais controverso na essência humana: o erotismo e a sexualidade.
Oriunda dos instintos destrutivos da pulsão de morte, a inveja é um dos primeiros e mais arcaicos afetos que despertam na alma do ser humano. Ao contrário do que o senso comum habitualmente preconiza, ela comporta um aspecto estruturante e sua importância para o desenvolvimento sadio da personalidade é significativa, uma vez que, na medida certa, permite ao sujeito reconhecer suas próprias lacunas, falhas e faltas. No entanto, se a inveja atingir proporções exacerbadas, assume uma feição mortífera e as relações com o objeto interno bom tornam-se fatalmente fragilizadas. Eis o caso de Ofélia, personagem do conto A Legião Estrangeira (1964), de Clarice Lispector – que desenha um dos quadros mais perturbadoramente belos da inveja em nossas letras. Engolfada num abismo de angústia e terror, Ofélia não consegue sustentar-se e, com efeito, a inveja comparece para esgarçar sua dor, que a leva a destruir tudo aquilo que lhe evoque sentimentos de insuficiência. Destarte, numa conexão entre os estudos psicanalíticos de base (pós)kleiniana e algumas considerações de caráter sócio-histórico, pretendemos analisar, na narrativa em foco, as faces mais abjetas que a inveja, em seu teor assaz virulento e passional, pode revelar, quando a dolorosa experiência de incompletude solapa toda expressão de amor e gratidão.
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