Este Texto para Discussão aborda o histórico e a dinâmica recente das relações entre Brasil e Venezuela a partir das dimensões político-diplomáticas, econômico-comerciais e de segurança e defesa. O estudo analisa décadas de avanços e retrocessos nos entendimentos bilaterais entre ambos os países, até os mais recentes desdobramentos da crise venezuelana e seus impactos na governança da América do Sul. Nos últimos vinte anos, as relações econômicas entre Brasil e Venezuela foram estruturadas em torno do comércio bilateral bastante superavitário ao Brasil, do financiamento à exportação de bens e serviços de engenharia, dos investimentos em infraestrutura e da parceria energética entre os dois países. Também abordam-se as excepcionalidades dos estados fronteiriços de Roraima e Amazonas nas relações bilaterais, a utilização de instrumentos financeiros de facilitação dos intercâmbios comerciais na região, os impactos geoeconômicos no comércio bilateral em função das sanções econômicas sofridas pela Venezuela, a recente migração de venezuelanos para o Brasil, entre outros temas estratégicos como a cooperação militar entre Brasil e Venezuela, a arquitetura regional de segurança e defesa, o papel central da integração regional nas relações multilaterais e o potencial de cooperação energética.
Em 7 de maio de 2021, foi inaugurada pelo presidente da república a ponte do Abunã, em Rondônia. A obra de 1,9 km sobre o rio Madeira conectou pela primeira vez a capital do Acre a outras capitais do país sem a necessidade de balsa. Esse empreendimento completa a infraestrutura rodoviária entre Rondônia e o Pacífico, um esforço histórico que perpassou várias décadas e diferentes governos. Destacam-se a pavimentação da BR-317 no governo de Fernando Henrique Cardoso e a construção da ponte binacional entre Assis Brasil-AC e Iñapari (no Peru) no governo Lula. O início das obras da ponte sobre o rio Madeira ocorreu no governo Dilma Rousseff, a maior parte de sua execução aconteceu durante o governo Michel Temer e sua conclusão e inauguração no governo Jair Bolsonaro. Uma grande cheia do rio Madeira, em 2014, que deixou Rio Branco, capital do Acre, isolada das demais capitais do Brasil por noventa dias, foi decisiva para a aprovação de recursos para a construção. A crítica situação para os acreanos naquele momento foi amenizada pelas pontes de Brasiléia-AC e Assis Brasil-AC. Inauguradas em 2004 e 2006, essas pontes ligam o Acre à Bolívia e ao Peru, respectivamente. Ambas garantiram o fornecimento de combustível peruano e alimentos bolivianos para os acreanos. Após atrasos, aditivos e alguns adiamentos, e 117 anos depois do Tratado de Petrópolis – que formalizou o acordo entre Brasil e Bolívia para que o Acre formasse parte do território brasileiro –, o Acre estará interconectado por estradas ao Atlântico. Tão importante quanto, Rondônia, sul do Amazonas e noroeste do Mato Grosso terão um caminho totalmente pavimentado ao Pacífico. O Brasil caminha para Oeste na economia, na demografia e, principalmente, nas exportações. Entre 2000 e 2010, todas as regiões do Brasil cresceram e as exportações per capita nominais se multiplicaram por mais de três, passando de US$ 324 para US$ 1.051. Em 2020, as exportações per capita do conjunto do Brasil haviam recuado para US$ 988. No entanto, o comportamento entre os estados é muito discrepante. São Paulo, líder em exportações industriais, exportava US$ 19 bilhões em 2000, atingiu US$ 59 bilhões em 2011 e regrediu a US$ 42 bilhões em 2020. Por sua vez, Mato Grosso exportou US$ 1 bilhão em 2000 e US$ 18 bilhões em 2020, aumentando suas vendas externas concentradas no agronegócio ininterruptamente ano após ano. A expansão da fronteira agrícola em direção ao norte e ao oeste veio acompanhada de altos custos ambientais e mudanças logísticas. Mato Grosso só esteve atrás do Pará em desmatamento nos últimos anos e parte significativa da produção agrícola do estado se dá em terras desmatadas ilegalmente. A dinâmica tem sido desmatamento, aumento da exploração de madeira, seguida do crescimento da produção pecuária e, depois, da expansão das áreas de cultivo de grãos. Esse movimento avança em direção a Rondônia e Acre. Em 2000, Rondônia exportava apenas 43 dólares nominais per capita, sendo 90% madeiras. Em 2020 foram US$ 764 por rondoniense, 52% só de carnes, 30% de soja e menos de 5% de madeira. Contudo, a saída pelos portos do Atlântico, cada vez mais longe da produção, tira competitividade do Brasil. A carne fresca e refrigerada tem um valor médio no mercado mundial 20% superior ao da carne congelada. O Brasil responde sozinho por um quinto das exportações mundiais de carne congelada, mas apenas por 3,7% das carnes frescas e refrigeradas. As carnes de maior valor da fronteira ocidental brasileira serão muito mais competitivas nos mercados da Ásia-Pacífico se cruzarem os Andes por terra. Não apenas pelo custo, mas principalmente pelo tempo. Por vias pavimentadas, o distrito de Abunã-RO está a 1.734 km do porto de Matarani na costa do Pacífico peruano e a 3.274 km do porto de Santos ou a 2.784 km de Belém do Pará. Por seu turno, a fronteiriça Assis Brasil no Acre está a 1.164 km de Matarani, a 3.357 km de Belém e a 3.864 km de Santos. E Matarani está a alguns milhares de milhas náuticas mais próxima do Japão do que Santos ou Belém. Os dias economizados no trajeto pelos portos do Pacífico podem garantir acesso rápido de produtos refrigerados à Ásia, mercado que via Atlântico o Brasil só alcança em commodities e congelados. Para isso é necessário escala e logística. A saída pelo Pacífico pode ser o caminho para agregar mais valor às exportações do Centro Oeste e, principalmente, da Amacro,2 próximos à tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e o Peru. O mesmo caminho poderá ser utilizado para as importações de insumos estratégicos. O Brasil tem apresentado deficits de US$ 8 bilhões anuais em adubos e fertilizantes. Nos últimos meses, o Canadá tem sido a principal origem das importações totais do Mato Grosso, concentrada em adubos. Parte considerável desse produto sai da costa oeste do Canadá, pelo porto de Vancouver, cruza o canal do Panamá, chega à costa leste do Brasil e percorre 2 mil km por rodovia. Poderia desembarcar no sul do Peru e chegar diretamente às regiões produtoras do Brasil por vias pavimentadas cruzando os Andes. Essa rota entre Abunã e os portos do sul do Peru não é concorrente do Corredor Rodoviário Bioceânico entre o Mato Grosso do Sul e os portos do norte do Chile de outros caminhos interoceânicos que existem ou possam ser construídos. Pelo contrário, do ponto de vista logístico são complementares (Barros et al., 2020). É mais viável transportar um carregamento de fertilizantes canadenses se ele puder ser descarregado parte em Matarani no Peru, para abastecer os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e o noroeste do Mato Grosso, e parte em Antofagasta, para abastecer o Mato Grosso do Sul, sul do Mato Grosso e Goiás. Da mesma forma, uma embarcação de mercadorias frescas e refrigeradas pode ser mais rapidamente viabilizada se carregada em dois ou três portos da costa do Pacífico que recebem mercadorias de diferentes pontos do oeste brasileiro e dos países vizinhos que exportam produtos similares. Para viabilizar essa nova dinâmica, seriam necessárias adaptações nos portos do Pacífico e integração aduaneira. A logística funciona melhor quando articula vários modais e garante cargas de retorno. A ponte do Abunã está sobre uma das principais hidrovias do país, que conecta a fronteira com a Bolívia, em Rondônia, aos portos da foz do rio Amazonas em Belém do Pará e Macapá-AP. O Acre está prestes a viver uma grande transformação, de magnitude similar à que ocorreu no Mato Grosso e que está em curso em Rondônia. O desafio é aprender rapidamente para evitar as externalidades negativas da expansão agrícola do Mato Grosso e do Matopiba (parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e Oeste da Bahia), reforçar o uso organizado e consciente do solo e coibir a devastação ilegal. Na região do Matopiba, o conceito surgiu após a realidade econômica se impor com altos custos ambientais e aproveitamento limitado dos benefícios sociais do aumento da produção. Na zona da Amacro, é possível definir o modelo de desenvolvimento no início da nova realidade econômica e seu planejamento será mais satisfatório se incluir a conexão com o Pacífico.
Pretende-se apresentar, em linhas gerais, o histórico recente das relações bilaterais entre Brasil e Argentina. Identificam-se os setores que concentraram a maior parte do comércio bilateral entre ambos os países, apresentam-se cenários com simulações do impacto da diminuição da tarifa externa comum (TEC) do Mercosul para o comércio bilateral e analisa-se o investimento estrangeiro direto (IED) do Brasil na Argentina e vice-versa. Elencam-se os principais setores e empresas atuantes nas relações bilaterais no período 2000-2020 e avalia-se a atuação de instrumentos de fomento do investimento e comércio, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) e do Sistema de Pagamento em Moeda Local (SML). Também analisam-se casos específicos, como frigoríficos, Petrobras e Banco do Brasil (BB).
Nesta Nota Técnica são abordados a dinâmica recente da produção e exportação do algodão brasileiro, os desafios de acessar o mercado peruano através dos corredores rodoviários bioceânicos e as possibilidades de exportação da fibra natural brasileira para os mercados da Ásia-Pacífico, via portos do sul do Peru.
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