Em agosto de 1883, o livro "O abolicionismo" tornou público o diagnóstico elaborado pelo estadista e intelectual Joaquim Nabuco a respeito das mazelas da sociedade brasileira. Defensor de inúmeras reformas, Joaquim Nabuco considerava o abolicionismo, ou seja, a necessidade de eliminar a escravidão da constituição do povo brasileiro, como o mais premente antídoto aos infortúnios nacionais e como uma medida que deveria preceder a todas as demais. Raiz de todos os males e vícios da sociedade e de suas instituições, eliminá-la colocava fim à excepcionalidade negativa do país frente ao mundo civilizado; mundo ao qual o Brasil e grande parte de suas gentes desejava participar e integrar. Mais do que isto, o abolicionismo abria possibilidade para a fundação de uma nova nação e para o soerguimento de um povo imbuído de valores civilizados e mais adaptado às mudanças políticas prenunciadas ao final daquele século. Para o autor, o vício da escravidão inutilizava a ambos, senhores e escravos, para uma vida livre. Daí suas proposições em torno da necessidade de operar profundas reformas, reformas que visavam constituir um "povo forte, inteligente, patriota e livre".A instrução pública, a associação de imprensa, a imigração espontânea, a religião purificada e a elaboração de um novo ideal de Estado apresentavam-se como veículos e como estratégias para a produção de um sentimento de responsabilidade cívica entre homens e mulheres; suprimindo, definitivamente, as marcas que a escravidão havia impresso na constituição física, mental e social do país e de seus habitantes. Note-se que estas reformas de cunho individual, ou seja, este aprimoramento de corpos e almas possuía, aos olhos de seu defensor, uma importância muito mais significativa do que as mudanças promovidas pela força das leis. Nos últimos parágrafos de "O abolicionismo", Joaquim Nabuco concla-
Neste artigo dedico-me ao estudo das relações estabelecidas entre pais de família, professores primários e autoridades locais em Minas Gerais, nas primeiras décadas do século XIX. Para tanto, recorri a um grande número de documentos produzidos por presidentes de província, bem como pela Assembleia Legislativa e pelas autoridades responsáveis pela fiscalização das escolas primárias mineiras. Já no alvorecer do século XIX, o desejo de civilizar e formar o cidadão trabalhador motivara a elaboração de dispositivos legais voltados à organização e ampliação do serviço de instrução pública. Foi neste contexto que intelectuais e políticos defenderam a educação das crianças e a generalização da instrução pública primária, considerando-as como as medidas mais adequadas à formação da nação brasileira. Em Minas Gerais, o que se observa a partir daí é a intensificação, nos discursos de intelectuais e dirigentes, de uma preocupação com a infância e sua preparação para a vida adulta. Preocupação, contudo, alicerçada em uma percepção um tanto preconceituosa e negativa em relação à moralidade das famílias mineiras e na compreensão de que elas eram incapazes de zelar pelo futuro de suas crianças. O que tais intelectuais e políticos não esperavam, contudo, é que os pais de família resistissem a essas representações, demonstrando a fragilidade das críticas que lhes eram dirigidas e o caráter ainda incipiente das ações do governo do Estado.Family encounter school: poverty, conflicts and compulsory school in Minas Gerais of the 19th century. In this paper I study the relations established among parents, primary teachers and local authorities in the first decades of the nineteenth century in Minas Gerais. To do so, I relied on a large number of documents produced by provincial presidents, by the Legislative Assembly and by the authorities responsible for supervising primary schools in Minas Gerais. In the late nineteenth century, the desire to civilize and to form the working citizens motivated the elaboration of legal devices whose aim was to organize and to expand the public education service. It was in this context that intellectuals and politicians defended the children’s education for all and the generalization of primary public education as the most appropriate measures for the formation of Brazilian nation. In Minas Gerais, what is observed from there is the intensification in the discourses of intellectuals and leaders of a concern with childhood and its preparation for adult life. This concern was based on a prejudiced and negative perception of the morality of Minas families and on the understanding that they were unable to take care of the future of their children. What such intellectuals and politicians did not expect, however, was the resistance of the parents to these representations. They demonstrate the fragility of the criticisms directed against them and the incipience of the state government policies. Keywords: Public education; Compulsory school; Family-school relationship.
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