Resumo: Com base em uma etnografia realizada entre os Guna (Kuna), população ameríndia que habita a costa atlântica do Panamá, este artigo tem por objetivo refletir sobre parentesco e relacionalidade a partir de sua práxis terminológica. A análise recai sobre os usos do idioma do parentesco por pessoas que afirmam uma subjetividade em desacordo com o gênero atribuído no momento do nascimento (omeggid, categoria local traduzida por “parece mulher”). Considerando as apelações na geração de Ego (G0), especialmente aquelas que remetem à consanguinidade (irmão/sussu; irmã/iolo), o artigo demonstra que a terminologia de parentesco permite conjugar estrutura e estratégia. Chamando alguém por sussu ou iolo, as omeggids produzem para si um lugar de gênero feminino; ao mesmo tempo, em detrimento da troca matrimonial ou aliança, afirmam um “modo de vida” estruturado por relações de amizade.
Resumo O artigo lança um olhar para os Guna a partir da casa de residência, espaço privilegiado de comunhão e compartilhamento de recursos. Meu objetivo é demonstrar que a residência em Gunayala movimenta uma economia doméstica dos pensamentos: os Guna dizem que a pessoa preguiçosa (wiegala) não pensa nos outros (binsaed suli). Ela é considerada sunnasuli - "não é parente de verdade" ou, simplesmente, "malvada". O dom é a linguagem utilizada para dar conta das transações que ocorrem no registro da intimidade. Procuro explorar as consequências da ética da convivialidade guna no que se refere à masculinidade, na medida em que os homens são levados a pensar em sua esposa como condição de fixação e permanência na casa dos afins. O problema da troca é examinado a partir das raízes mitológicas, rituais e sociológicas da uxorilocalidade, permitindo compreender o esforço de consanguinização da afinidade nos termos de um drama residencial: o drama da aliança ou a aliança enquanto drama.
Neste ensaio, proponho uma reflexão sobre os limites da justiça a partir do conceito de “diferença”, considerando a perspectiva dos povos indígenas. Argumento que esses povos não estão no passado, mas oferecem futuros possíveis por meio de um repertório ético ainda amplamente ignorado de atitudes de responsabilidade e cuidado frente ao que é outro. Analiso alguns elementos do sistema alimentar entre os indígenas guaranis, cuja incompreensão por parte de uma abordagem da alimentação baseada em nutrientes permite elucidar dois modos articulados de operação da colonialidade, conforme ensinou Denise Ferreira da Silva: exclusão e oclusão. Concluo com a defesa de uma pactuação descolonizante pela participação de profissionais indígenas e negros(as) nos processos de decisão e gestão em saúde como meio de efetivar a universalidade no acesso ao cuidado e à proteção do Estado.
Este artigo apresenta algumas redes de relações imagéticas e rituais existentes entre aldeias mebêngôkre, continuando o trabalho de descrição e análise da produção cultural (e ritual) contemporânea desse povo indígena habitante da Floresta Amazônica e falante de uma língua Jê. Parte-se dos resultados obtidos em pesquisas já publicadas sobre a intricada relação entre a produção de vídeos e a produção ritual. Considerando que as tecnologias de reprodução de imagens foram apropriadas pelos Mebêngôkre há mais de três décadas, busca-se expor não apenas as características específicas dos circuitos imagéticos contemporâneos, mas também as especificidades do produto visual de maior circulação nessa vasta rede: as filmagens rituais. O objetivo deste trabalho é, portanto, duplo: demonstrar a importância da circulação de imagens entre as diferentes aldeias mebêngôkre e responder a pergunta sobre o porquê de serem as filmagens rituais os principais artefatos imagéticos que circulam nessa rede. Ao fim, propõe-se a ideia de uma ética transgeracional mebêngôkre presente na produção e circulação das filmagens rituais.
A produção audiovisual indígena atinge, nesse início de século, um momento de consolidação que está relacionado a um crescente interesse (geral e indígena) acerca das ideias de cultura e imagem. O caso tratado aqui guarda uma peculiaridade histórica na medida em que o uso do vídeo pelos Kayapó data do final da década de 1980. O artigo discute a relação entre a prática de vídeo e o regime sócio-cosmológico desse grupo, no âmbito do contato interétnico, destacando a importância da relação entre o corpo e a câmera. Recorremos ao juízo estético mebêngôkre sobre a imagem filmada para demonstrar a impossibilidade de produção de uma imagem “bela” (mejx).
críticas bibliográficas e resenhas Devemos comemorar duplamente a publicação de Sexualidades amazónicas, coletânea de artigos assinados nos últimos quinze anos por Luisa Elvira Belaunde. Em primeiro lugar, porque o livro propõe abordar as dimensões de "gênero" e "desejo", até aqui pouco ou mal trabalhadas pela etnologia das terras baixas sul-americanas. Mas sobretudo, porque a compreensão etnográfica da autora, densamente construída ao longo de muitos anos de dedicação ao estudo dos povos amazônicos, permite situar a discussão sobre sexualidade em termos propriamente ameríndios, isto é, em função de uma economia regional, de ordem simbólica e moral, que envolve alteridade e intimidade.Gostaria de ressaltar inicialmente a contribuição de Belaunde para a renovação de uma agenda americanista de investigação etnológica. Não é por acaso que a autora propõe estudar o "pensamento" e a "prática" dos povos amazônicos, afinal, seus trabalhos anteriores permitem entender o próprio pensamento como uma prática na Amazônia. Como mostrou Joanna Overing (1986) para os Piaroa, os filhos e os produtos do trabalho de uma pessoa são seus "pensamentos". O fato é que diferentes povos indígenas no continente sustentam uma ética e uma estética do cotidiano que estão atravessadas pela noção de "fazer pensando em alguém" (Gow, 1991; Surrallés, 2003). Nesse sentido, o "pensamento" passa a ser visto como um ato relacional, isto é, uma atividade que se empreende no contexto de uma relação.A ênfase relacional de Belaunde justifica-se pela afirmação, recorrente na Amazônia, de que "o coração pensa" (no outro). Sua contribuição maior reside, então, na possibilidade de uma antropologia spinozista das terras baixas da
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