Em "Fantasma oculto: alguns segredos de quem escreve", publicado no livro de ensaios Balaio: livros e leituras (2007), Ana Maria Machado fala das "sincronicidades" ou coincidências surpreendentes que ocorrem na nossa vida diária ou, ainda, e mais especialmente, quando nos encontramos imersos na leitura de um texto e algo nele nos fala diretamente e de maneira muito particular. São "encontros" instantâneos que repercutem em nós -uma palavra, uma imagem, uma situação ou sentimento que parecem coincidir com algo que vivemos, sentimos ou apenas intuímos. Difíceis de serem explicadas, segundo a autora, as sincronicidades apontam para a existência de "uma espécie de dinâmica latente do texto" e revelam talvez "certas sintonias captadas na mesma onda" (Machado, 2007, p. 19) nas quais coincidem a pessoa que está lendo e o texto lido. Neste trabalho, discutirei algumas sincronicidades captadas na leitura dos romances O mar nunca transborda (2008 [1995]), de Ana Maria Machado, e El mar que nos trajo (2001), da escritora argentina Griselda Gambaro.Essas sincronicidades sucedem por estarem os dois romances sintonizados em uma "mesma onda" e suas autoras em um mesmo plano crítico-temporal: o de um presente consciente da importância de estabelecer-se e cultivar-se um diálogo constante com o passado, com a história. Meu propósito aqui é, portanto, o de examinar como Machado e Gambaro tecem um diálogo entre presente e passado, entre momento atual e história, a partir de uma primeira sincronicidade: em ambos romances, a interseção da história com H maiúsculo e histórias/"estórias"; ou seja, a interseção da história com a memória e a ficção. Fundamentadas nessa interseção, as duas autoras traçam um retrato da nação enquanto põem em relevo questões relacionadas ao próprio conceito de nação e identidade nacional e à identidade do sujeito, isto é, à construção de uma subjetividade, armando tramas narrativas que entrelaçam a História, a memória e a ficção.