IntroduçãoSintomas psiquiátricos estão presentes com freqüência em transtornos neurológicos como acidentes vasculares cerebrais (AVCs), tumores cerebrais, doença de Parkinson, coréia de Huntington e epilepsias, 1,2 e muitas vezes surgem como primeira manifestação da doença neurológica.3 Essas manifestações psiquiátricas podem ocorrer sob a forma de síndromes depressivas, 4 sendo também comuns alterações cognitivas, mudanças de personalidade e sintomas psicóticos.1,5 Em conseqüência, doenças cerebrais orgânicas são um diagnóstico diferencial a ser considerado em pacientes que apresentam aparente quadro psiquiátrico primário. Em classificações atuais, como a 4 a edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders -DSM-IV), o diagnóstico de transtornos mentais maiores só pode ser firmado se excluídas causas orgânicas; na presença destas, o diagnóstico passa a ser o de transtorno mental secundário a condição médica geral. 6 Atualmente, técnicas sofisticadas e cada vez mais acessí-veis de neuroimagem, como tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) e tomografia por emissão de fóton único (single photon emission computed tomography -SPECT) podem ser utilizadas como recurso complementar na prática psiquiátrica, em casos selecionados nos quais dados de histó-ria clínica, exames psíquico, físico e/ou neurológico trazem alguma suspeita da presença de condição médica geral subjacente.7 Apresentamos aqui o caso de uma paciente de meia idade que sofria de quadro psiquiátrico crônico, com predominância de sintomas depressivos de início insidioso e piora progressiva, e que através de avaliação por exames de neuroimagem, teve diagnosticado um tumor (meningeoma) de grandes proporções localizado em região frontal.
Apresentação do CasoPaciente S.M.T.S., 43 anos, sexo feminino, confeiteira, católi-ca, foi trazida a um ambulatório de Psiquiatria Geral com histó-ria crônica de tristeza, falta de ânimo e energia para desempenhar quaisquer tarefas, pessimismo em relação a todos os eventos de seu cotidiano e ao futuro, e isolamento social. Este quadro se iniciara sete anos antes, com sintomas discretos, poucos meses após a morte do marido num acidente automobilístico, e vinha evoluindo com piora lenta e progressiva, sem remissões. Observava-se também retardo psicomotor, falta de apetite com emagrecimento moderado, insônia tanto inicial como terminal, com hipersônia durante o dia. Dois anos após o início do quadro, a paciente abandonou suas atividades profissionais, passando a ter também dificuldades cada vez maiores em tarefas domésticas. Recentemente, a sensação de tristeza, inutilidade, falta de energia e fadiga vinham sendo experimentadas todos os dias, e a paciente chegava a dormir ininterruptamente por 12 horas num dia. Queixava-se também de falta de concentração e memória, dificuldades para pensar e tomar decisões, e considerava freqüentemente que morrer seria a solução para seus problemas. Nos três meses que ...