Introdução: o tema, os conceitos e a abordagem Neste estudo, focaliza-se a "Cultura Brasileira" como problema histórico. Não se vai, portanto, retraçar a história linear dos eventos que comumente são entendidos como "culturais", seja na perspectiva dos historiadores da literatura, da arquitetura, da música ou do teatro, seja na perspectiva dos antropólogos e sociólogos. Na verdade, a intenção é problematizar a própria noção de Cul tura Brasileira, noção relativamente recente nos discursos acadêmicos e políticos. A rigor, tal noção surgiu consagrada e estabilizada na obrasíntesedo educador Fernando de Azevedo, A Cultura Brasileira (1943), em pleno Estado Novo (1937-1945), sobre o que nos deteremos adian te. Cuidaremos também de localizar, além desse "intérprete", alguns críticos que se debruçaram posteriormente sobre a problemática cul tural brasileira. A "Cultura Brasileira", enquanto problemática, se torna mais nítida após 1930, com o surgimento de uma nova consciência histó rica e, portanto, cultural e política. Não foi por acaso que três obras das mais significativas sobre o Brasil foram publicadas nos anos 30: Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre (1933), Evolução Política do Brasil, de Caio Prado Júnior (1933), e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (1936). Livros de alta interpretação que pre nunciavam a obra-síntese de Fernando de Azevedo sobre a "Cultura Brasileira" Como se sabe, Azevedo fo i o sociólogo e educador que, por sua vez, daria passagem ao "grupo-geração" de Antonio Cândido, Florestan Fernandes e Maria Isaura Pereira de Queirós, seus ex-assistentes na Universidade de São Paulo, chefes de "escolas" de pensa mento que definiriam os parâmetros da nova crítica cultural, histórico-sociológica e dos estudos da chamada "C ultura Brasileira" Uma nova consciência histórica se delineia a partir de então, com utilização de métodos e técnicas de análise que marcariam as pesquisas sobre o nosso passado. Os estudos sobre o negro na socie dade de classes, sobre os índios, sobre os movimentos messiânicos, sobre a cultura caipira, sobre a sociedade industrial e sobre a form a ção da literatura brasileira trariam o esboço desse novo perfil da socie dade brasileira, sempre considerada em sua historicidade própria. Nessa medida, não se vai aqui retraçar a "história da cultura bra sileira" Até porque, conforme já discutimos em outra oportunidade,
História de um silêncio: a guerra contra o Paraguai (1864-1870) 130 anos depois CARLOS GUILHERME MOTA "A malquerença antiga da América chamada espanhola contra os descendentes de portugueses, agravadas pelas prevenções que sugeriam suas instituições características -a monarquia e o trabalho escravo -poderia ter conseqüências imprevisíveis. A hostilidade contra o Brasil, manifestada desde a última intervenção no Uruguai, e agravada, principalmente nos Estados do Pacífico, ao serem divulgados os termos do Tratado da Tríplice Aliança, não poderia senão diluir-se e amenizar-se com o fato de não se achar ele só na campanha contra o ditador de Assunção". Sérgio Buarque de Holanda, em Do Império à República, 1972 E Rico, Panamá e Haiti começam a entrar na esfera de ação direta dos Estados Unidos.Esse foi ainda o período em que ocorreram pesados investimentos de capitais estrangeiros na América Latina, sobretudo em infra-estrutura, como estradas de ferro, portos e serviços públicos. Tem início a imigração européia em massa, direcionada à Cuba, ao Brasil e, sobretudo, à região de clima temperado do estuário do rio da Prata. Os números são altos: entre 1855 e 1874 cerca de 250 mil europeus ao Brasil e de 800 mil à Argentina e ao Uruguai. * * *A guerra do Paraguai, ou a Guerra da Tríplice Aliança, ou mais propriamente a Guerra contra o Paraguai marca indelevelmente a História contemporânea da América Latina. Foi a maior guerra da História da América do Sul. Pode ser comparada -em violência, em extensão, mas não em seus resultados -à Guerra Civil que à mesma época viveram os Estados Unidos da América do Norte, com seus números assustadores: a Guerra Civil mobilizou cerca de 2,5 milhões de homens numa população de 33 milhões de habitantes. Todavia, "os mortos que importam têm que reunir certos requisitos", como escreveu o editor italiano Franco Maria Ricci, na apresentação de uma belíssima obra sobre as pinturas de Cándido López, o principal documentarista da guerra contra o Paraguai. Com efeito, nem todos os mortos são iguais.Conversando com Jorge Luiz Borges, Ricci descobriu a sanguinolência dessa guerra. A mais sangrenta do século XIX. E que, como sabem os leitores de diários, os mortos que importam verdadeiramente têm que reunir certos requisitos: "Os mortos do hemisfério sul importam certamente menos que os do hemisfério norte"(l).A dramaticidade do conflito, em que se envolveram povos e regimes extremamente diversos, marca -inclusive pelo silêncio a que as historiografías oficiais, sobretudo a brasileira, o condenaram -a nossa difícil inserção na História Contemporânea. Qualquer que seja a perspectiva, a guerra da Tríplice Aliança foi um marco. Um acontecimento histórico de pesadas conseqüências, que daria nova dimensão à história desta parte do planeta. Para sugerir a necessidade de uma urgente rotação de perspectivas, ainda aqui utilizo-me da aguda percepção do editor italiano: "O fim do tirano Solano López, a defesa extremada dos paraguaios e seu extermínio teriam merecido, sem dúvida, as cores de um Plutarco e de um...
M SEU DESENVOLVIMENTO histórico, São Paulo foi muitas vezes comparada a Liverpool, Manchester, Chicago, Milão. No dealbar de um novo sé-culo, ocorre-nos perguntar: como São Paulo alcançou o século XX? Como se transformou numa das três maiores e problemáticas metrópoles do planeta, que desafiam a inteligência de urbanistas, historiadores, cientistas sociais, arquitetos e políticos, para não dizer a sensibilidade de seus cidadãos?Debuxar, num rápido apanhado, a história que nos trouxe à contemporaneidade, nestas partes, eis o objetivo deste ensaio. Ensaio de risco, necessariamente lacunar, de vez que a historiografia sobre região vem se aprofundando muitíssi-mo, sobretudo nos últimos vinte anos, revelando aspectos e sentido de uma história regional que -curioso paradoxo -estavam na sombra. História rica e cheia de desafios, a começar pela situação marginal em que se achava relegada a Capitania no período colonial, depois tendo vivido o boom do café no século XIX, a mal-acabada abolição em 1888 do trabalho escravo e, na seqüência, mudanças profundas com o impacto da imigração em massa e, já no século XX, com a industrialização.Em 1990, num de seus incisivos diagnósticos debatidos no IEA, Milton Santos notava que a região de São Paulo praticamente já nascera moderna. Tanto pelo lado da produção, como pelo lado do consumo. Isso, graças à importação, pelos imigrantes, de hábitos e aspirações, mas também pelo meio ambiente construído, propício às transformações. No Brasil, segundo o geógrafo-urbanista, a mecanização do espaço geográfico ocorre com maior força na hinterlândia paulista, criando as condições para uma expansão sustentada. Mais, constatava Milton: "A cada movimento renovador da civilização material nos países centrais, São Paulo e o seu retro país reagem afirmativamente, adotando o novo com presteza e assim, reciprocamente, gerando crescimento" 1 . Qual o sentido geral dessa história estressada, que nos convoca ao presente, nervosamente, numa era de reconstrução como a que se vive nesta cidade tão machucada, sobretudo por conta das duas últimas administrações brutalizantes?Com efeito, o crescimento do maior conglomerado do subcontinente, capital do Estado, com sua constelação de cidades de grande porte (Santos, Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos, além das vizinhas São Caetano, Santo André, São Bernardo e Diadema), a verticalização em ritmo vertiginoso após os anos de 1930, a massificação e a cosmopolitização dos costumes e men-
em cada país permanece uma matriz da História, e essa matriz dominante marca a consciência coletiva de cada sociedade? Marc Ferro, 1981 "... a principal conseqüência cultural do prolongado domínio do patronato do estamento burocrático é a frustração do aparecimento da genuína cultura brasileira? Raymundo Faoro, 1958 Para uma demarcação histórica * Conferência proferida no Colóquio " Cem anos de República no Brasil: idéias e experiências", realizado em janeiro de 1990 na Universitè de Paris IV -Sorbonne, coordenado pelos profs. Katia M. de Queirós Mattoso e Francois Crouzet.
Quem desejar compreender o mundo das idéias no Brasil no final do século XVIII, não deve ter a ilusão de querer encontrar apenas idéias revolucionárias e idéias ajustadas ao sistema colonial, idéias de Revolução e idéias de quietação . Dessa atitude simplista poderiam advir certas análises esquematizantes que, aliás, inundam a historiografia mais recente (julgando com isso talvez combater um ecletismo ingênuo): forçam as realidades para que se adaptem às teorias . Na verdade, há tôda uma faixa de idéias por assim dizer intermediárias em relação àquelas tendências apontadas: idéias que, sem serem perfeitamente ajustadas ao regime e ao consenso da época, tampouco são revolucionárias (1) . Correspondem, antes. à versão colonial do reformismo ilustrado .Um dos representantes mais brilhantes dêsse comportamento intermediário (2) é Luís dos Santos Vilhena, Professor Régio de Língua Grega na Cidade de Salvador . Nêle encontra-se, ao mesmo tempo, o colonizador e o crítico da colonização . O que vale dizer: colonização em crise.. -Há uma certa dificuldade em rotulá-las como "idéias liberais". E' bem verdade que representam um grande progresso em relação às idéias bem ajustadas ao regime absolutista. Em algumas ocorrências, tais idéias carregam consigo um novo sentido de liberdade, muito límpido. Afinal, não é o próprio Vilhena quem diz que cada um "entende a palavra liberdade segundo o seu modo de pensar, fazendo-a suscetível de tantas definições quantos são os pareceres e paixões dos que nela têm exercitado os seus engenhos"? (NRSB, II, 958) . Já não se trata, pois, da "liberdade própria de um Vassalo zeloso" (ADIM, VI, 195) (grifos nossos) . . -Note-se bem: 'é um comportamento que, sem ser dominante, pode ser tomado como típico.
resumo A crítica cultural no Brasil teve no paulistano Sérgio Milliet (1898-1966) um de seus expoentes máximos. Foi ele o mais “internacionalizado” dos intelectuais brasileiros. Sua produção não apenas como crítico, mas também como tradutor, poeta, pintor, pensador e ensaísta, bem como sua atuação institucional, notadamente como diretor da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, coloca-no em primeiro plano na vida cultural, política e institucional do país. Muito jovem, estudou e trabalhou na Suíça nas primeiras décadas o século XX, convivendo com personalidades internacionais, porém regressando em tempo de participar da Semana de Arte de 1922 em São Paulo. Atuou como homem-ponte entre as culturas europeias e a brasileira. Atento à vida cultural nacional e internacional de seu tempo, trabalhou como “passeur” transcultural, como atestam seus dez volumes do Diário Crítico e notáveis traduções.
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