"Para mim, o tráfico [de drogas] funciona igual ao Estado quando é para piorar a situação da gente". Assim disse Leandro, enquanto relatava os problemas que atingiam a ocupação Nelson Mandela, 1 situada na parte antiga do centro do Rio de Janeiro. O trecho citado aproxima os efeitos deletérios das políticas públicas urbanas em curso nessa região da atuação provocada pelo tráfico de drogas que, naquele preciso momento, tinha invadido a ocupação. 2 Esse diálogo, com efeito, faz referência ao contexto social e político em que está inserida esta ocupação -contexto marcado pela aliança entre governos federal, estadual e municipal com a intenção de promover a "revitalização" daquela área do Rio mediante o conhecido projeto Porto Maravilha.Trata-se de um megaprojeto, cujos empreendimentos, como tantos documentos têm assinalado, estão alterando substantivamente o perfil urbano de uma região marcadamente popular, com o intuito de destiná-la às camadas médias e a setores empresariais e turísticos. 3 Ao repertório de atuação deste projeto soma-se a política de ocupação militar de favelas nomeada de pacificação (Birman 2012;Oliveira 2014;Leite 2012Leite , 2014 Leite & Machado da Silva 2013). A análise das consequências produzidas por este megaprojeto tem como fio condutor o trabalho etnográfico que realizamos na ocupação Nelson Mandela. A situação que se delineou com a invasão do tráfico de drogas na ocupação, como sustentamos, é parte integrante do desmantelamento das moradias populares da região com vistas à chamada revitalização.Do ponto de vista dos moradores e dos trabalhadores dos bairros populares, incluídos nesse projeto, é possível relacionar certas ações realizadas por pessoas envolvidas com o tráfico de drogas com aquelas promovidas por agentes do Estado, destacando-se como ambas incidem, conjuntamente, em suas condições de vida. Sabe-se que tem sido recorrente na bibliografia sobre o tema da violência na cidade uma perspectiva que situa tráfico e Estado
Neste texto, analisamos os efeitos de gênero que a guerra movida pelo Estado contra o Tráfico de Drogas produz na vida cotidiana das famílias que habitam as periferias do Rio de Janeiro. Ao privilegiar narrativas de mulheres, consideramos que as relações de gênero são “feitas” ao mesmo tempo em que fazem o fazer da guerra. Ao acompanhar situações que envolveram maus-tratos físicos e morais, ameaças e assassinatos enfrentados por mulheres, discutimos como crime, território e violência se embebem nas relações de família e de vizinhança. A temporalidade da guerra que já dura quase quarenta anos é lida como um passado tecido na intimidade das relações e como um presente sempre atualizado na experiência das relações de gênero posicionadas pela guerra contínua.
Resumo Em dezembro de 2018, fazia 5 anos que Leonor cuidava sozinha de sua mãe idosa, cega, surda, sem dentes, com câncer em um dos rins e doença de Alzheimer avançada. O envelhecimento de Dona Carmem foi incorporado à vida cotidiana, ao corpo e à mente de sua filha e cuidadora Leonor, que desenvolveu prolapso genital, tendinite e depressão em decorrência do trabalho do cuidado somado ao trabalho doméstico. Neste texto, eu apresento como a relação de cuidado entre mãe e filha, idoso e cuidador, se sobrepõem na vida cotidiana e produzem potência e vulnerabilidade. Ao descrever a vida dessas mulheres, eu mostro o processo de coprodução de corpos por meio do duplo envelhecimento e adoecimento em conexão com um conjunto heterogêneo de doenças que se acumulam com o passar dos anos. Ao mesmo tempo, analiso a coprodução de corpos na relação com processos sociais e temporalidades mais amplas.
Resumo Este artigo descreve os esforços de Leonor para garantir o abastecimento de água na ocupação popular onde vive. Seus esforços congregam a luta política dos ocupantes pelo direito de os pobres morarem no centro da cidade, a batalha das famílias para manterem os ritmos e a rotina de suas vidas diárias, e a guerra que envolve agentes do estado e do tráfico de drogas no cotidiano. O trabalho de Leonor está emaranhado ao trabalho coletivo de fazer a água circular nos 15 anos de existência da ocupação. Na primeira parte do texto, trago as ações dos moradores que transformaram um prédio abandonado em uma ocupação popular por meio da instalação, a regularização e a manutenção do abastecimento de água. Na segunda parte, apresento a batalha dos moradores nos interstícios dos poderes do estado e do tráfico de drogas em que a água potável estava no centro da disputa.
O trabalho propõe uma análise da obra Marcovaldo ou As estações na cidade do escritor Ítalo Calvino, estabelecendo a relação possível entre sociologia e literatura. O livro narra a história de um operário pobre da cidade industrial que procura alívio para sua realidade objetiva criando fantasias românticas e utópicas sobre a cidade e a natureza. Nos interessa refletir sobre a relação necessária entre cidade, homem e natureza, entendendo a cidade como condição inevitável da humanidade. Nosso interesse, tendo como mote o texto de Calvino, será o de efetuar a análise rigorosa do sentido dialético das contradições objetivas presentes na cidade capitalista do século XX.
In dialogue with Veena Das’s works on kinship, family betrayals and death, in this text I describe the histories of family betrayals of Leonor, highlighting the inscription of these betrayals in everyday life and in the textures of her relationships to kin and to me. I show how the pain of the death of a son, the conflicts between siblings, as well as the forms of remaking herself by reinhabiting and renarrating the events, are embedded in the relationships of the present. The text presents the family betrayals, the conflict between siblings and the death of a son not as spectacular events but as threads in the weave of life. I show how the work of time is important to the reconstruction of life and also to the sharing of experiences of pain.
This article discusses the importance of water in the daily lives of women living in favelas and squatter settlements in the city of Rio de Janeiro, articulating the debates on urban infrastructure and careful thinking about the gendered and racialized ways of making cities. Through small domestic events, dialogues between the authors and their interlocutors, and more extensive ethnographic descriptions, the article shows how water bears the power of the ordinary and is one of the objects that allow us to see the potency and vulnerability of daily life in terms of gender, class, and race. It describes women’s work in the processes of city-making by relating the precarious access to water with the subordination of care as coexisting aspects that make visible the conditions of profound inequality of the residents of peripheries.
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