Este artigo analisa a história da família Rodrigues Antunes. Essa família foi uma das mais acusadas durante a visitação, principalmente por conta de sua matriarca, a octogenária Ana Rodrigues, natural da região da Serra da Estrela, em Portugal, considerada a primeira mulher condenada à fogueira moradora da América portuguesa, onde viva há mais de três décadas.
A visitação do Santo Ofício ao Nordeste açucareiro entre 1591e 1595 traria à tona os conflitos sociais e a disputa de interesses entre cristãos velhos e novos. Principais delatados, os neoconversos tornam-se figuras centrais das acusações feitas à mesa e vítimas em potencial das generalizações sobre seu suposto comportamento criptojudaico, acusados das mais diversas heresias. Dentre os delatados, chama a atenção o significativo número de mulheres, baluartes da resistência judaica, difusoras de sua cultura e tradições para as novas gerações. Responsáveis pelo ambiente doméstico, seriam as grandes propagadoras do judaísmo secreto e diminuto que se tornara possível após as proibições de livre crença no mundo português a partir de 1497, e a instauração da Inquisição, em 1536, quando os lares passaram a representar papel preponderante para a divulgação e sobrevivência das tradições dos filhos de Israel.
Implantado em Portugal o monopólio católico a partir de 1497, com o processo de expulsão/conversão forçada de judeus e mouros do reino, não tardariam a se agigantar os problemas de intolerância religiosa disfarçada de problema social entre os cristãos-velhos e os neoconversos. A instauração do Santo Ofício da Inquisição em Portugal, no ano de 1536, com o intuito de zelar pela pureza da fé católica, teria nos cristãos-novos suas principais vítimas. Com a intensificação dos trabalhos inquisitoriais, muitos deixaram Portugal, tornando-se o trópico brasílico, região do açúcar, principal produto da colônia naquele momento, dos destinos preferidos. Durante a primeira visitação inquisitorial às capitanias açucareiras do Nordeste (Bahia, Pernambuco, Paraíba e Itamaracá), entre 1591 e 1595, ganha destaque o número de mulheres cristãs-novas acusadas de práticas judaizantes, sinalizando a intensa participação feminina no processo de resistência judaica, como propagadoras do judaísmo secreto que se tornara possível para a divulgação e sobrevivência das antigas tradições, adaptado o judaísmo às dificuldades e perseguições que lhe foram impostas. Os processos contra a família Antunes, do Recôncavo Baiano – a matriarca Ana Rodrigues, primeira vítima da Inquisição no Brasil condenada à fogueira, mais suas filhas e netas –, insistentemente delatada perante a Inquisição, mostram-se primordiais para esta análise.
ENTREVISTA-RONALDO VAINFAS Um historiador fiel a suas orientações e amigo de novidades Entrevistado: No prefácio que escreveu para a terceira edição do Trópico dos Pecados, lançada em 2010, Laura de Mello e Souza chamava a atenção do leitor para a obra, destacando, ao mesmo tempo, sua influência e inovação:
Este trabalho busca investigar a formação do mundo português a partir da interface entre local e global, focando-se nas religiosidades vivenciadas para além do catolicismo oficial, no desenvolvimento das crenças e nas relações entre sociedades, principalmente as mulheres, e os mundos natural e sobrenatural. As discussões pretendem vincular a formação do mundo português a esses aspectos, partindo da interface citada, situando-se cronologicamente no século XVI. Para isso, as análises pretendem ressaltar a importância das práticas mágico-religiosas, das crenças que compuseram a relação das sociedades com o sobrenatural, bem como das práticas sociais resultantes das mais variadas versões construídas pelos indivíduos a partir dessa interação.
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