O presente artigo parte de pesquisas etnográficas que desenvolvi no mestrado e no doutorado, dentre o que intitulei de “parentes-interlocutoras”. Ao participar do processo de tentativas de publicação em revistas acadêmicas uma questão sempre emergia quando eu recebia os pareceres das minhas peças. Eu era interpelada sobre estar fazendo uma autoetnografia e criticada por não estar dialogando com autoras da área. Mas como eu poderia estar fazendo uma autoetnografia se em nenhum momento eu afirmava que estava em diálogo com o campo? Como eu era inscrita em um território que eu (depois de tanto ler) afirmava não ser meu? Como eu e minha pesquisa, porconseguinte, estávamos sendo inscritas em um campo que não almejávamos? Esse artigo possui a intenção de discutir como a inscrição de determinados corpos em determinados lugares é parte do paternalismo acadêmico para com alguns antropólogos (principalmente negros e indígenas).
O presente relato etnográfico tem a intenção de proporcionar uma descrição e análise de um caso etnográfico do meu campo de pesquisa vinculado ao parentesco, família, migração, gênero e geração. Campo esse que ocorreu ao longo do mestrado em antropologia social na Universidade Federal de Goiás (UFG) e que continua em curso agora no doutorado no Departamento de Antropologia (DAN) da Universidade de Brasília (UnB). Com isso, pretendo compreender etnograficamente como, a partir de duas parentes-interlocutoras, minha mãe Analice (54 anos) e minha avó Anita (75 anos), consigo desenhar, pesar e mensurar os caminhos do parentesco que se enredam aos caminhos do gênero e da geração, para então compreender a inescusabilidade do parentesco contemporaneamente.
Em campo etnográfico realizado em 2019 em Canto do Buriti, cidade com pouco mais de 20 mil habitantes no Sudeste Piauiense, acabei acompanhando o grupo "Viver na Melhor Idade". Esse grupo era destinado especificamente aos moradores da cidade que estavam na "terceira idade", como me contou a coordenadora do grupo. As atividades ocorriam em um espaço cedido pela prefeitura em um antigo colégio da cidade. O grupo tinha em média 60 componentes, tendo significativa flutuação no número de pessoas que o frequentavam de segunda a sexta-feira. Essa oscilação dependia do dia da semana, do calor, de outras atividades que ocorriam na cidade e poderiam ser mais atrativas. Poderia depender também do trabalho que algumas dessas senhoras teriam que executar para com algum neto, filho, parente ou marido. A idade das participantes variava entre 60 e 90 anos, sendo o grupo composto majoritariamente de mulheres. Ele era organizado pela prefeitura e contava com professores de educação física que executavam movimentos de alongamentos, aeróbicos, para o fortalecimento da musculatura, entre outros. Tudo acontecia ao som de forró, e as aulas tinham duração de mais ou menos 40 minutos.Apesar de procurar compreender as classificações associadas ao curso de vida em Canto do Buriti (DAMÁSIO, 2020), eu era lida pela coordenadora do grupo e algumas interlocutoras como uma "doutora", "professora" e "fotógrafa". Eis que fui solicitada pela coordenadora a, em suas palavras, dar uma "palestra sobre envelhecimento, para ensinar para eles como envelhecer bem". Fui convocada a contribuir com algo para o grupo. Seguíamos então o ciclo da reciprocidade (MAUSS, 1974). O problema era que esperavam que eu retribuisse com algo que eu não tinha para dar. Era com aquelas interlocutoras que eu entenderia o processo de "cair pra idade" e não o contrário. Ofereci então uma contraproposta para a coordenadora, ofereci o que eu carregava todos os dias para o campo: a câmera, o meu olhar e as fotografias.As ideias de "devolução" e de "compartilhamento" dos dados etnográficos, dentro da antropologia, são antigas, mas ainda são pouco
O presente ensaio tem a intenção de discutir e pesar como a intimidade construída com minhas parentes-interlocutoras, mais especificamente minha mãe, pode ser potente para a confecção de etnografias. Mais especificamente, a partir do parentesco real e imaginado, de como eu vi minha mãe na infância e de como passei a vê-la depois de adulta. Assim, passo a juntar seus pedaços que são linhas, traços e descontinuidades. Trago pedaços que falam dela, mas não só. Contam, através da reconstrução de memórias-narrativas visuais, a intimidade que desenha nossas relações de parentesco.
“Sobre a origem” é um ensaio que busca acompanhar Dona Nita, minha avó materna, voltando para sua roça. Nesse dia minha parente-interlocutora contou-me sobre seus filhos e filhas (minhas tias e minha mãe) que foram para o mundo buscar “melhores condições de vida” e não mais retornaram para a origem. A partir do momento que seus filhos construíram uma vida no mundo, a roça, lugar que ela e meu avô tanto lutaram para conquistar, acabou sendo abandonado fisicamente, pois a terra, bichos e plantas não eram mais as narrativas de vida dos filhos e filhas da minha avó (e tampouco da neta-antropóloga).
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