Se olharmos para o sol por algum tempo -digamos, a metade de um minuto -o resultado disso é que uma massa escura se forma diante dos olhos e se espalha até tomar conta do cérebro. É um efeito temporário esse, e aqui descrito de forma não científica. Mas, de fato, um tipo de cegueira momentânea, estupor da visão obscurecida, traz uma experiência sensorial que pode gerar reflexões filosóficas. O sol, essa estrela alçada a astro, grande provedor da luz e do calor na terra, esfera ofuscante que aquece e queima, ilumina e cega."Se a despeito de tudo o fixarmos com bastante obstinação, isto supõe, pelo contrário, uma certa loucura e a noção [de Sol] altera o seu sentido porque, com a luz, a produção deixa de surgir e surge o resíduo", discorre Bataille no ensaio "Sol apodrecido"; 2 ou seja, "a combustão que é psicologicamente muito bem expressa com o horror libertado por uma lâmpada de arco incandescente" (Bataille, 2007, p. 83). Esse resíduo que fica é o rastro da atitude louca, transgressiva, de nos aproximar daquilo de que deveríamos nos afastar. A lâmpada de arco incandescente é o resultado de luz e sombra daqueles que desafiaram os limites do possível da própria organicidade.O resíduo fruto dessa ação temerária é a própria materialização, concretude do impossível da ação. Algo que dela resta do enfrentamento da impossibilidade de visualização. Sua intensidade sobre a organização dos corpos instala a novidade no tocante à ordem do vivido. Coisa que escapa da órbita dos olhos e que, em sua extrema potência de visibilidade, apresenta na mesma medida seus efeitos contrários e deletérios. Trata-se aqui não do que os olhos deixaram de ver com o efeito de castração do sol, mas daquilo que eles, apesar ou em função disso, viram. Incômodo 1 Doutora em literatura, cultura e contemporaneidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: alinelfbarbosa@gmail.com 2 Ensaio publicado originalmente no número 3 da revista Documents, em 1930.
RESUMO:Hilda Hilst e Georges Bataille encontram-se entre aqueles autores que, não raro, perseguiram o sagrado por vias do obsceno, operando um movimento que tem no corpoe na sua profanaçãouma via de acesso ao divino. Neste ensaio, a partir de algumas passagens dos textos e das trajetórias hilstianas e bataillianas, pretendemos apresentar momentos em que esses domínios se entrecruzam e se ultrapassam, marcados pela seguinte evolução: quanto mais se for obsceno, mais se será divino. Nesse sentido, estará em jogo a ideia de transgressão, em que os limites da existência descontínua serão atravessados em direção à experiência integrada do sagrado.Palavras-chave: obsceno; sagrado; profano; Hilda Hilst; Georges Bataille.Por que desfazer-se de Deus para refugiar-se em si mesmo? Por que essa substituição de cadáveres?Emil Cioran, Silogismos da amargura
Resumo Guiado pela primeira pessoa da pesquisadora de arquivos, tomada pelo "Mal de arquivo" proposto por Jacques Derrida em texto homônimo, o artigo apresenta uma reflexão sobre a noção de arquivo e de marginália pelo viés do erótico. Analisa-se, ainda, o que a autora Hilda Hilst escreveu nas margens do livro O amante de lady Chatterley, de D.H. Lawrence, durante a sua leitura. A partir de material encontrado na biblioteca da Casa do Sol, trata-se de pensar contornos da Hilda Hilst leitora e de que modo esses rastros na moldura da página dialogam com a obra publicada, sobretudo com a trilogia erótica.
Na esteira das reflexões sobre o centenário da Semana de Arte Moderna, observam-se algumas das principais instituições de guarda de arquivos da literatura brasileira e aponta-se, na iniciativa de sistematizar a conservação de documentos literários, o papel destacado dos líderes do movimento de 1922. Considerando que a noção de patrimônio histórico e artístico tanto quanto a gestão dos bens preservados resultam de ações de modernização material e intelectual das sociedades, traçou-se um percurso pelo IEB-USP, AMLB-FCRB, CEDAE-UNICAMP e AEM-CEL-UFMG[1], cujo momento de abertura correspondeu à recepção de acervos de modernistas, tendo contado com o apoio indispensável dos herdeiros do legado da Semana. Esta visita panorâmica à história da preservação de acervos literários, realizada predominantemente em universidades públicas, tem o propósito de contribuir para a revisão crítica da memória recente como reforço à articulação entre as tarefas de conservar, transformar e inventar. [1] Essas siglas, indicadoras de instituições de guarda e conservação de arquivos literários, serão referidas, na introdução do artigo, aos nomes, por extenso, das respectivas instituições. Entre as mesmas, apenas o AMLB integra uma fundação do governo federal ligada ao Ministério da Cultura, as demais fazem parte de universidades públicas.
O presente artigo pretende estabelecer um estudo comparativo entre as obras e as trajetórias de Hilda Hilst e de Georges Bataille, a partir das ideias de excesso e de transgressão, e apontando para a ideia do obsceno na literatura. A leitura desses autores será conduzida a partir da imagem do Sol, cara a Bataille. Em todo o seu excesso e exuberância, provedor e castrador, o Sol nos dará a medida da transgressão.
O erotismo, o sagrado e a morte são temas recorrentes nas obras de Hilda Hilst e de Georges Bataille. Apostando no movimento contínuo de transgressão dos limites do humano, a morte, seu caráter irrevogável, será a experiência radical de continuidade a que o erotismo e o sagrado tendem, exibindo a passagem entre a animalidade e a humanidade. E uma vez que a morte é sempre a de um terceiro, pretendemos, neste artigo, a partir da obra e da trajetória de Hilda Hilst e de Georges Bataille, esboçar algumas paisagens poéticas do espetáculo do ver-se morrer através do outro.
Como pensar as margens em contexto contemporâneo, em que os paradigmas estéticos da modernidade, os limites entre campos disciplinares e entre expressões culturais eruditas e populares foram embaralhados? Em um mundo amplamente globalizado, que ao mesmo tempo transpõe e reafirma suas fronteiras, em termos territoriais, comerciais, filosóficos, artísticos, como modular e refundar o espaço da borda? Além disso, o que esteve situado historicamente à margem -sobretudo em termos culturais -tem sido progressivamente incorporado pelo capitalismo neoliberal e sua vocação expansionista, interessado em assimilar -e em neutralizar -tudo aquilo que o ameaça.
ResumoSe os paradigmas estéticos da modernidade buscavam acentuar a autonomia da arte, sua radical separação de qualquer interesse exterior à própria obra, a distância entre expressões culturais altas e baixas, assistimos contemporaneamente à crescente aproximação entre as esferas culturais, apostando no intercâmbio horizontal em detrimento da verticalização polarizada e sinalizando a necessidade de novos recortes que permitam dar conta da tenuidade das fronteiras entre a chamada alta cultura e a cultura midiática de mercado.Palavras-chave: Modernismo. Bens simbólicos. Autonomia. Demarcação. Crossing the Frontiers of Modernity: Transversality Movements in The European and Brazilian ContextAbstract If the aesthetic paradigms of modernity sought to accentuate the autonomy of art, its radical separation from any interest outside the work itself, and the distance between high and low cultural expressions, nowadays we are witnessing the increasing approximation between cultural spheres, betting on horizontal exchange to the detriment of polarized verticalization and signaling the need for new cuts that allow to realize the tenuity of the boundaries between the so-called high culture and the media culture of the market.
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