A proposta é abordar não só o significado de que se revestem as produções oníricas no mundo grego, mas a congenialidade entre sonho e Literatura. Com efeito, tanto no sonho como na poesia, domínios do Mythos e não do Logos, colocam-se em ação energias cognitivas do inconsciente. Na Grécia, onde, como todos sabemos, o sonho tem valor oracular, as funções de adivinho e de poeta se sobrepõem, na capacidade de enxergar para além das aparências sensíveis, de ver o que Walter Benjamin chama de "semelhanças invisíveis." Há questões que, de Homero e Ésquilo a Artemidoro de Daldis, passando por Aristóteles, perpassam o pensamento (e a vivência) dos gregos, e que nos acostumamos creditar à Psicanálise: a relação da fantasia com o desejo, a sensorialidade da imaginação, o privilégio do significante, a eficácia da palavra (à qual é atribuído um explícito valor terapêutico), a importância fulcral da analogia (tanto na produção como na interpretação de sonhos e poesia), etc, etc. Finalmente, um último item dirá respeito à historicidade do símbolo e à existência de "arquétipos culturais".
A novela "Dãolalalão", do livro Noites do sertão de Guimarães Rosa, mostra a presença daquilo que Northrop Frye nomeou o "Grande código" da literatura ocidental, a Bíblia, transculturada no sertão brasileiro, e as contradições daí advindas. Aponta-se aí, em clave de "estranhamento", a relação de um ex-jagunço e de uma ex-"militriz", aferida ao amor arquetípico de Salomão e da Sulamita, o "Amado" e a "Amada" do "Cântico dos cânticos" bíblico, criptografado ao longo da novela. No entanto, observe-se que em "Dãolalalão" comparecem também paráfrases do "Apocalipse" e referências várias a Afrodite Pandêmia, deusa do Amor no panteão grego, bem como ecos velados da prostituição sagrada, abrindo a possibilidade para uma abordagem desse tópos caro à ficção roseana, que é o amor da prostituta. Temos, concentrados nesse vértice bíblico-grego (à raiz da cultura ocidental), os elementos de uma literatura "mimetizada" - ou, mais especificamente, marcada por aquilo que é a mola da organização da sociedade brasileira: uma formação social de extração escravista.
The novel "Dãolalalão", from the book Nights in the backlands of Guimarães Rosa shows the presence of what Northrop Frye has called the "Great Code" of the western civilization literature, the Bible, crosscultured in the Brazilian backlands and the contradictions produced by such situation. It is shown, under the key of singularization, the relationship between an ex-jagunço and an ex-prostitute, referred to the archetypical love of Salomon and the Sulamite, the "Beloved" of the biblical "Song of songs", criptographed along the novel. However, it must be noted that in "Dãolalalão" there also occur paraphrases from the "Apocalypse" and several references to Aphrodite Pandêmos, the goddess of love in the Greek pantheon, as well as many veiled ecos of the sacred prostitution, offering an approach to a much cherished topos in the Rosean fiction, that of the prostitute's love. Concentrated in this biblical-Greek axis, which stands as roots of the western civilization, the elements of a "mimetized" literature, marked by the spring of the Brazilian social organization: its slavish background
Dentro do recorte "literatura e inconsciente", a proposta é um estudo de A hora e vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, sob a luz dos versos de Píndaro: "torna-te aquilo que és". Com efeito, nesse conto vemos a passagem de Nhô Augusto a Matraga: um percurso de singularidade -ou um processo de individuação -em que a original violência desabrida da personagem é vetorializada e adquire um rumo ético. Mas, como diz o narrador, ele é Matraga, "o homem": "A civilização está sendo constantemente criada de novo, de vez que cada pessoa, assim que ingressa na sociedade humana, repete esse sacrifício da satisfação instintual em benefício de toda a comunidade" (Freud, Conferências introdutórias à psicanálise I, 1915). E nos baseando num dos possíveis significados do nome do protagonista (Matraz = vaso alquímico), na marca com que é ferrado (o triângulo dentro de um círculo) e na importância da sua "hora" (seu kairós) -elementos que não são aleatórios, mas participam do mesmo sistema de pensamento, aposta-se na possibilidade de uma interpretação da transformação sofrida pela personagem na linha de um opus alquímico: da grande depressão em que foi lançado a sua "hora e vez", sua áurea hora (Aurora) na luta de morte com Seu Joãozinho Bem-Bem. Palavras-chave Guimarães Rosa;A hora e a vez de Augusto Matraga; inconsciente; individuação; kairós; alquimia.
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