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Um morador de Taquaruçu, atual município de Fraiburgo, no planalto catarinense, que era criança na época da guerra, relata uma cena de bombardeio:A força do governo também apertou muito no final. Teve um reduto, que começou a ser bombardeado por canhão, daí todos correram para a igreja, para se proteger. Logo um tiro de canhão atingiu a igreja, que estava lotada de crianças e mulheres, pegou fogo, quase todos morreram, isto eu vi. 1 A imagem de uma igreja lotada de mulheres e crianças sendo incendiada é como um emblema de memória. Como afirma Frances Yates sobre os estudos mnemônicos de Francis Bacon, emblemas e imagens são resultados da fixação de emoções sensíveis, mais facilmente lembradas que princípios intelectuais ou outros relatos isentos de maior emoção. 2 A força dessas memórias está associada a fortes impactos emocionais causados por diferentes imagens da guerra.Por muito tempo existiu uma espécie de silêncio público sobre a Guerra do Contestado. Desde o final da guerra até a década de 1980, esse assunto não foi objeto da atenção pública, embora já houvesse uma farta produção de militares e acadêmicos sobre o tema. A partir dos anos 1980, como parte do processo de redemocratização do país, o conflito do Contestado passou, de distintas maneiras, a ser relembrado por movimentos sociais, órgãos de Estado e pesquisadores acadêmicos. No entanto, boa parte da população descendente dos seguidores do monge José Maria ainda apresenta uma memória de guerra fortemente impactada pela versão dos vencedores e pelos ressentimentos do olvido público. Um acontecimento não lembrado é quase algo não acontecido. A vergonha da derrota mistura-se com a sensação de irrelevância pública de uma experiência trágica presenciada. 3 Por outro lado, o esquecimento pode ser apenas uma forma de readaptação à vida, como nos relata Alessandro Portelli. As pessoas não podem viver o tempo todo se lembrando de tudo. 4 O estudo das memórias dos sobreviventes dos redutos rebeldes e seus descendentes 5 envolvidos no movimento do Contestado (1912Contestado ( -1916 leva-nos a refletir sobre alguns aspectos marcantes e dolorosos das experiências dessas pessoas. É evidente que, devido à envergadura do movimento -que atingiu uma extensa região dos planaltos de Santa Catarina e do Paraná com mais de 22.000 km² e acima de 150 mil habitantes -não há um só tipo predominante de memória das experiências da guerra. As pessoas foram atraídas aos redutos rebeldes, as chamadas "cidades santas", por diferentes razões e dentro de distintos contextos regionais e de diferentes fases do conflito.Entre os que se dirigiram a Taquaruçu, Caraguatá, Bom Sossego, Santa Maria, Perdizes, Pedra Branca, São Pedro e outros redutos e vilas dos seguidores do monge José Maria, havia um grupo inicial de seus devotos. Eles reelaboraram sua trajetória anterior, de práticas de curas até o combate do Irani, quando uma importante expedição do Regimento de Segurança do Paraná entrou em confronto com os caboclos, o que resultou na derrota da força policial; e, entre os sertanejos, na...
Um morador de Taquaruçu, atual município de Fraiburgo, no planalto catarinense, que era criança na época da guerra, relata uma cena de bombardeio:A força do governo também apertou muito no final. Teve um reduto, que começou a ser bombardeado por canhão, daí todos correram para a igreja, para se proteger. Logo um tiro de canhão atingiu a igreja, que estava lotada de crianças e mulheres, pegou fogo, quase todos morreram, isto eu vi. 1 A imagem de uma igreja lotada de mulheres e crianças sendo incendiada é como um emblema de memória. Como afirma Frances Yates sobre os estudos mnemônicos de Francis Bacon, emblemas e imagens são resultados da fixação de emoções sensíveis, mais facilmente lembradas que princípios intelectuais ou outros relatos isentos de maior emoção. 2 A força dessas memórias está associada a fortes impactos emocionais causados por diferentes imagens da guerra.Por muito tempo existiu uma espécie de silêncio público sobre a Guerra do Contestado. Desde o final da guerra até a década de 1980, esse assunto não foi objeto da atenção pública, embora já houvesse uma farta produção de militares e acadêmicos sobre o tema. A partir dos anos 1980, como parte do processo de redemocratização do país, o conflito do Contestado passou, de distintas maneiras, a ser relembrado por movimentos sociais, órgãos de Estado e pesquisadores acadêmicos. No entanto, boa parte da população descendente dos seguidores do monge José Maria ainda apresenta uma memória de guerra fortemente impactada pela versão dos vencedores e pelos ressentimentos do olvido público. Um acontecimento não lembrado é quase algo não acontecido. A vergonha da derrota mistura-se com a sensação de irrelevância pública de uma experiência trágica presenciada. 3 Por outro lado, o esquecimento pode ser apenas uma forma de readaptação à vida, como nos relata Alessandro Portelli. As pessoas não podem viver o tempo todo se lembrando de tudo. 4 O estudo das memórias dos sobreviventes dos redutos rebeldes e seus descendentes 5 envolvidos no movimento do Contestado (1912Contestado ( -1916 leva-nos a refletir sobre alguns aspectos marcantes e dolorosos das experiências dessas pessoas. É evidente que, devido à envergadura do movimento -que atingiu uma extensa região dos planaltos de Santa Catarina e do Paraná com mais de 22.000 km² e acima de 150 mil habitantes -não há um só tipo predominante de memória das experiências da guerra. As pessoas foram atraídas aos redutos rebeldes, as chamadas "cidades santas", por diferentes razões e dentro de distintos contextos regionais e de diferentes fases do conflito.Entre os que se dirigiram a Taquaruçu, Caraguatá, Bom Sossego, Santa Maria, Perdizes, Pedra Branca, São Pedro e outros redutos e vilas dos seguidores do monge José Maria, havia um grupo inicial de seus devotos. Eles reelaboraram sua trajetória anterior, de práticas de curas até o combate do Irani, quando uma importante expedição do Regimento de Segurança do Paraná entrou em confronto com os caboclos, o que resultou na derrota da força policial; e, entre os sertanejos, na...
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