Os posicionamentos contemporâneos contra a vacina do corona-vírus soam estranhos para os iluministas que confiam na ciência, às vezes beirando, até mesmo, a uma posição cientificista. Para uns, a vacina é eficiente e segura. Para outros, as vacinas seriam inseguras, a longo prazo, já que poderiam ter efeitos deletérios sobre o sistema imunológico humano, resultado de um longo processo bem-sucedido de evolução e de adaptação a um meio ambiente hostil. Para estes, soa arrogante a ciência querer interferir em um tal mecanismo, às vezes por razões de curto prazo, e preponderantemente visando ao lucro fácil e rápido.À parte a argumentação com base na ciência, seja para se posicionar contra ou a favor, a orientação contrária à vacina pode contar com um pano de fundo moral bem consolidado, o qual pode ser mais bem explicitado pelo recurso à filosofia moral kantiana, inconteste como uma das mais importantes teorias morais da modernidade, em conjunto com o utilitarismo, especialmente na sua TL. Esse viés desloca o tratamento da questão do âmbito científico, dos seus efeitos benéficos ou maléficos, -os quais poderiam, inclusive, encontrar justificativa segundo o modelo da moral utilitarista, -para o âmbito da moral deontológica. Nesse viés, o tratamento da matéria prescinde das suas consequências, boas ou ruins, e visa ao seu caráter propriamente deontológico, ou seja, se a máxima da conduta seria certa ou errada, em face do imperativo categórico, ditado pela razão prática pura (ROHDEN, 1997, p. 69-96. Com efeito, Unna defende que, no caso específico da vacina, Kant pôde considerar, como em geral o faz, se uma prática é moral ou imoral, a despeito dos seus cálculos benéficos ou maléficos (UNNA, 2003, p. 468-469). Deveras, isso é especialmente válido quando não se têm evidências suficientes para um lado ou para outro. Nesse caso, o risco de praticar algo errado, como o uso de uma vacina, prevaleceria sobre o risco que se correria, com tal ato, para a autopreservação (UNNA, 2003, p. 469). Assim entendido, o problemático seria o agente vir a ser a causa da sua própria norte (UNNA, 2003, p. 470).