dando relevância aos recursos linguísticos empregados pelos seus autores para estabelecer os diálogos entre a escritura e a dança. Assumo uma postura que evita trabalhar com o registro de vídeo das obras que não pude assistir ao vivo (além do fato de que várias obras de que tratam os textos não têm quase nenhum registro audiovisual, ou não fazem referência explícita a nenhuma dança em particular). Trabalho com a ideia de que os textos a partir das obras e performances de dançarinos têm uma força singular, que descortina a voz do escritor, seus referenciais, seu contexto e sua poética, abrindo espaço para o encontro com o corpo do leitor, que agora ativa o texto lançando mão do seu próprio repertório do que seja dança. O texto permite que se construa, a cada leitura, uma dança em potencial, virtual, que não necessariamente tem a ver com o referente, mas que é fruto do encontro do leitor com a especificidade de um texto, seus sons, ritmos, rimas, silêncios, imagens.Dentre os autores analisados que tratam da dança (que escreveram especificamente a partir da dança), observo a experimentação da linguagem -que também performa -e a consciência que têm da responsabilidade de perpetuar um discurso diante da falta de um contra-discurso: a dança de que tratam deixou ou logo deixará de existir. Além disso, a presença da figura do escritor, outrora espectador de dança, é também uma marca dos textos analisados; seja de forma mais assumida -como veremos em Pascal Quignard (2013, p. 149), que oferece sua escrita como corpo ao leitor ("este é meu corpo" 1 ), e Paul Valéry (2011, p. 88), que em Philosophie de la danse assume o uso da primeira pessoa e dá ainda mais relevo à sua figura referindo-se também a si próprio como personagem, "meu filósofo, (...) o espírito aflito pela mania de interrogar" 2 -seja de modo mais tímido, como veremos em João Cabral de Melo Neto, os escritores aqui reunidos se assumem como coparticipantes da experiência da dança. A matéria que lhes resta para escrever é seu próprio corpo tocado por corpos dançantes.Abertos para "metamorfosear" seus pensamentos e palavras no contato com a dança -"é de pouco interesse que a dança seja 'metáfora do pensamento'. É essencial, no entanto, que ela possa conduzir a sua metamorfose" (HUBERMAN, 2006, pp. 77-78) 3 -, seus discursos se dão a partir do impacto da dança no corpo. São textos com os quais trabalho há anos e que me arrebataram pois iluminaram a possibilidade de estar em dança a partir da 1 No original: "ceci est mon corps" (QUIGNARD, 2013, p. 149). As traduções para português são de minha autoria e aparecerão, no geral, no corpo do texto, exceto nos casos em que considerei necessário o uso do texto na língua original. Os textos no original estarão nas notas de rodapés. As obras já traduzidas e publicadas em português têm seus tradutores citados na bibliografia.2 No original: "mon philosophe, -ou si vous préférez, l'esprit affligé de la manie interrogante" (VALÉRY, p. 88, 2011).