A teoria do reconhecimento tem se firmado como um frutífero quadro conceitual para compreender as lutas sociais. Ela oferece uma matriz interpretativa atenta à dimensão moral dos conflitos sociais e capaz de perceber a complexidade de tais conflitos, em suas dimensões materiais, simbólicas e legais. A noção de reconhecimento traz a intersubjetividade para o cerne da justiça e destaca o caráter relacional e agonístico da construção da sociedade.No entanto, alguns autores operam com a palavra reconhecimento de modo distinto, como se ela fosse um novo nome para lutas simbólicas ou um novo jeito de falar de lutas pela valorização de identidades. Seja para defender uma noção alternativa de reconhecimento -como o fazem Nancy Fraser e Anna Galleotti -ou para criticá-la -como o faz Patchen Markell -, o que se vê é uma descaracterização das idéias que Taylor e Honneth buscam em Hegel para renovar a teoria crítica. O reconhecimento é visto simplesmente como a luta de grupos minoritários para alterar sentidos partilhados ou valorizar especificidades culturais.O objetivo deste artigo é contestar algumas das críticas que emergem desse uso esvaziado da teoria do reconhecimento. Procuramos mostrar que o reconhecimento não é apenas uma estratégia cultural Nesse sentido, iniciaremos com uma breve contextualização da teoria do reconhecimento e destacaremos algumas críticas a ela. Ater-nos-emos a um dos pontos do debate entre Honneth e Fraser e à proposta de acknowledgment advogada por Markell. Em seguida, buscaremos evidenciar como algumas das críticas ignoram o alicerce intersubjetivo da teoria do reconhecimento e formularemos nossas respostas a partir do próprio marco do reconhecimento.Importante deixar claro, desde já, que o presente artigo não se propõe a escrutinar todas as dimensões do debate acerca do reconhecimento e nem a afirmar que todos os elementos das propostas de Taylor e Honneth são inquestionáveis. 1 Mais modesto, o texto busca refletir sobre a definição da idéia de reconhecimento, algo que é alvo não apenas de contendas teóricas, mas das próprias lutas por reconhecimento (Kompridis, 2007, p. 277).
As bases do reconhecimento em Taylor e HonnethA emergência da idéia de reconhecimento na teoria política contemporânea está ligada aos estudos sobre multiculturalismo. Foi marcante, nesse sentido, a palestra proferida por Charles Taylor na inauguração do Princeton University's Center for Human Values, em 1990, na Não é nosso intuito, aqui, explicar detalhadamente as bases conceituais e proposições de cada um desses autores. Para tanto, há extensa e consolidada literatura, 4 sendo que também já nos dedicamos a essa empreitada em outros artigos (Mendonça, 2007;Mendonça e Ayirtman, 2007). É importante, todavia, situar alguns elementos fundamentais da teoria do reconhecimento a fim de facilitar a compreensão das críticas a ela dirigidas e das respostas que propomos.Como já mencionado, o precursor da teoria do reconhecimento é o filósofo Charles Taylor (1994) que revisita a obra de Hegel para propor uma renovada teoria da...