Pensando Como Um Negro: Ensaio De Hermenêutica Jurídica

Abstract

RESUMO:Este artigo utiliza um método pouco explorado nos estudos sobre hermenêutica no Brasil: o storytelling como meio de desvelamento do sentido das normas jurídicas. A experiência de um sujeito concreto, o autor deste texto, serve como ponto de partida para uma reflexão sobre a relevância da raça no processo interpretativo. Parte-se do pressuposto de que o lugar social do intérprete e as relações de poder que o definem determinam em grande parte a forma como ele compreende as funções do Direito. Isso significa que a análise da experiência de grupos minoritários pode ser uma referência importante para o debate sobre as possibilidades de promoção da emancipação social pelo sistema jurídico. Assim, no lugar das tradicionais reflexões teóricas sobre a igualdade, o artigo formula uma narrativa de caráter contra-hegemônico ao propor uma compreensão desse princípio a partir da voz de um sujeito subalterno. Palavras-chave: storytelling, igualdade, hermenêutica, justiça constitucional, identidade racial.ABSTRACT: This article applies a method rarely explored in the studies on hermeneutics in our country: storytelling as a means of unveiling the meaning of legal norms. The personal experience of a concrete subject, the author of this essay, operates as a reference for considerations about the relevance of race in the interpretive process. It claims that the social place of the interpreter and the relations of power that defines its position in various social hierarchies determine to a large extent the way in which he understands the role and purposes of law in a democratic society. This means that the experiences of minority groups can be an important reference for the debate about the possibilities of social emancipation through legal interpretation. Thus, instead of the traditional theoretical discussions about equality, the article formulates a counter-hegemonic narrative based on an understanding of law from the perspective of a subaltern subject.

Ataques cibernéticos: Representações sociais da pessoa negra na internet

“…De acordo com Moreira (2017) os estereótipos raciais não apenas enfatizam hipotéticas características de membros de um grupo, mas também apontam os lugares que se deseja que essas pessoas ocupem dentro de uma sociedade, segregando e limitando. Almeida (2016) esclarece que o aprendizado acerca dos estereótipos ocorrem ainda na infância e em razão disso, se cristalizam nas memórias.…”

Ministério Público e domínio racial: poucas ilhas negras em um arquipélago não-negro

“…Não é natural que um Princípio de Justiça, teoricamente forte e de previsão constitucional, continue a ser praticado socialmente, de maneira que grupos sociais e raciais marginalizados continuem ininterruptamente nessa condição degradante. Por essa visão insubmissa quanto à intepretação constitucional do Princípio da Igualdade, este funcionaria como forma de articulação entre diferença e igualdade, com a tônica de se pensar em ações estatais que realizem, de forma inclusiva, direitos fundamentais básicos de uma comunidade negra, sistematicamente deteriorada no seu existir por uma opressão exercida, como regra, por pessoas não negras 56. O processo de Amefricanização do Ministério Público não se dará como decurso natural da história do Ministério Público, que continua a seguir, conforme sublinhado em tópicos anteriores, a socialmente excludente tradição de ideias liberais no campo das ações institucionais.…”

Legislação não discriminatória: um recorte a partir do Município de Uberaba (MG) com relação à proteção da população lésbica

“…Entende-se aqui que entre os principais obstáculos à garantia de direitos aos grupos subalternizados está a dificuldade de situarmos quem são esses sujeitos (MOREIRA, 2017a).…”

“…De acordo com Moreira (2017aMoreira ( , 2017b, a dificuldade de se reconhecer essa dinâmica das relações de poder e de situar concretamente os sujeitos é um dos principais obstáculos à garantia do direito à igualdade e à não discriminação. O discurso jurídico ainda compreende os sujeitos a partir da categoria abstrata de sujeito de direitos desprovidos de identidades sociais que os hierarquizam na vida social.…”

“…Assim, promover a igualdade no acesso a direitos humanos significa por vezes o tratamento diferenciado, que se justifica diante da análise política dos fatores que desigualam os sujeitos e grupos em situação de privilegio ou de subalternidade na sociedade. Ou seja, diante do olhar crítico sobre a complexidade de sentidos e efeitos da discriminação na experiência dos sujeitos e grupos (MOREIRA, 2017a;2017b). A partir da perspectiva da avaliação legislativa, a criação de normas é entendida como um processo complexo porque pressupõe, entre outros fatores, a compreensão da extensão dos conflitos e dos problemas envolvidos nas relações e nos fatos que a lei visa disciplinar, a percepção das consequências de sua aplicação e ainda as escolhas e a elaboração do instrumental técnico-jurídico que possibilitará (ou não) a eficácia da lei.…”