O perspectivismo ameríndio e a ideia de uma estética americana

Abstract

Resumo: O artigo discute a ideia de existência de uma estética pré-colonial própria do território americano, tendo por base a ampla distribuição geográfica de um mesmo fundo cosmológico, cuja expressão material seria as diversas classes de objetos arqueológicos envolvidos na ação ritual. O conceito que orienta esta discussão é o perspectivismo ameríndio. Formulado originalmente para dar conta da singularidade do pensamento indígena amazônico, abordando as relações simbólicas entre os homens e outros seres, este conceito, que possui uma amplitude pan-americana, é reconhecível não só a partir das etnografias, dos mitos, mas também por meio das representações presentes na iconografia dos artefatos revelados pela Arqueologia, sobretudo aqueles que exibem corpos em estado de transformação. Vistas como parte de sistemas de pensamento e organização social, as representações artísticas contidas em objetos pré-coloniais amazônicos, andinos e da costa noroeste da América do Norte indicam uma unidade mitológica e cosmológica do mundo ameríndio, que ultrapassa distintas morfologias sociais e estruturas políticas.Palavras-chave: Perspectivismo ameríndio. Arqueologia. Etnologia. Estética pré-colonial americana. Metamorfose corpórea. Cosmopolítica. Abstract:The article discusses the idea of the existence of a pre-colonial aesthetics of the American territory, based on the great geographic distribution of a same cosmological substrate. Its material expression would be the different classes of archaeological objects involved in ritual. The concept that guides this discussion is the Amerindian perspectivism. Originally formulated to deal with the singularity of the Amazonian indigenous thought, working on the symbolic relationship between the humanity and other beings, this concept with a Pan-American distribution is recognized by the ethnographies, the myths, and the representations in the iconography of artifacts revealed by Archaeology, particularly those that shows bodies in the state of transformation. These artistic representations of Amazonian, Andean and the North American Northwestern Coast pre-colonial objects are considered part of the systems of thought and social organization. They make it possible to recognize a mythological and cosmological unity in Amerindian world that goes beyond social morphologies and political structures.

Identidade e sexo

“…Segundo Denise Gomes (2012), haveria no continente americano um fundo cosmológico pan-americano que se traduziria numa estética pré-colonial observada em diversos artefatos arqueológicos pertencentes a culturas geograficamente distantes. Obviamente que esta unidade cosmológica não é a mesma em todos os tempos e culturas, existindo ainda sociedades onde não se observa qualquer pertinência desse esquema conceitual.…”

“…Tal objetivo vincula-se à proposição de Denise Gomes (2012) sobre a existência de uma estética pré-colonial própria do continente americano, que tem por base um mesmo fundo cosmológico associado ao conceito de "perspectivismo ameríndio". Essa é uma estética materializada nos objetos rituais, particularmente nos que exibem outras subjetividades além de corpos em transformação.…”

Adornos corporais em Carajás: a produção de contas líticas em uma perspectiva regional

“…Na cultura material, por sua vez, destacam-se artefatos de cunho cerimonial, além de representações humanas e elementos geométricos que evocam animais amazônicos ou que abarcam temas relacionados ao xamanismo (e.g., Fonseca, 2010;Barreto, 2005Barreto, , 2014Gomes, 2010Gomes, , 2012Schaan, 2007). Nota-se também uma multiplicação dos tipos de artefatos (tangas, bancos, estatuetas e ídolos) e a constante presença de adornos (contas, pingentes, auriculares e tembetás).…”

A Tradição Vieira vista de outra perspectiva

“…Quando pensamos em grupos nativos das Américas e não apenas das terras baixas da América do Sul, mas também da América Central e quase toda a costa oeste da América do Norte até o Alasca (FAUSTO, 2002;VIVEIROS DE CASTRO, 2002;ALBERTI, 2006;DESCOLA, 2006;BAPTISTA DA SILVA, 2008, 2010GOMES, 2012;VANPOOL & NEWSOME, 2012;LIMA, 2013; para citar alguns trabalhos), via de regra -e mesmo dada a heterogeneidade de etnias presentes neste vasto território, o que as pesquisas parecem demonstrar é que todas compartilham, mesmo que variações 5 possam ocorrer, de uma ontologia que pode ser caracterizada como animista nos moldes propostos por Philippe Descola (DESCOLA, 2006) ou Tim Ingold (INGOLD, 2013). Grosso modo, o animismo, de acordo com Descola (DESCOLA, 2006), se caracterizaria por uma visão de mundo que garantiria a todos os seres uma interioridade semelhante e cultural 6 , onde apenas sua exterioridade seria diferenciada, sendo que essa atribuição de uma interioridade similar contemplaria todos os seres existentes no mundo.…”