O linchamento em Morrinhos (boato, estigma e violência)

Abstract

Resumo Em 2014, na Baixada Santista, ocorreu o linchamento de uma jovem de 33 anos, episódio deflagrado por meio do compartilhamento em redes sociais do boato da existência no bairro de Morrinhos, em Guarujá (SP), de uma suposta bruxa sequestradora de crianças que realizava “rituais de magia negra”. Esse episódio ganhou importante atenção da imprensa nacional, sendo destacado - em parte relevante das reportagens - que a jovem espancada e morta era bastante conhecida na comunidade e fazia tratamento para uma doença psiquiátrica que desencadeava crises nas quais ela “perdia a noção de realidade”. Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise do contexto sociocultural relacionado a esse acontecimento: o linchamento de uma mulher com transtorno mental. Foram utilizados os métodos e as técnicas de pesquisa tradicionais da antropologia; entre eles, observação etnográfica densa e entrevistas em profundidade com moradores de Morrinhos. A análise do material permitiu apontar que a violência é vivamente presente no local e está diretamente relacionada aos conflitos cotidianos e às disputas sociais existentes no bairro, destacando-se a violência contra o doente mental. A propagação de boatos é frequente nesse local e possui importante papel em manter certo equilíbrio nas relações sociais. Nesse contexto, pode-se considerar que a ocorrência do linchamento se configurou como um fato que, em grande medida, foi capaz de representar uma condensação desses elementos - os boatos, a estigmatização e a violência - e, assim, os expôs despidos em sua forma mais bruta.

Quando as representações sociais se tornam abstração na área da saúde: uma revisão do contexto brasileiro sobre transtornos mentais

“…8,17,18 Além disso, alguns artigos avaliaram as representações dos familiares quanto ao estigma, inclusão e aceitação do sujeito com transtornos mentais 13,15,19 e, outros, as representações da comunidade sobre esses sujeitos, considerando contexto de convivência e aceitação. 19,20 O Quadro 1 apresenta os principais pontos relacionados à representação social do sujeito com transtorno mental a partir de estigmas; às repercussões dos estigmas em diferentes âmbitos e às possibilidades de enfrentamento.…”

“…Quanto à representação social do sujeito com transtorno mental; o compilado faz alusão à imagem de um sujeito perigoso, agressivo, descontrolado, nervoso, que se envolve em brigas; 4-6,8,9,14-16,19,20 excluído, segregado, que deve ser afastado de determinados espaços e pessoas, passível de internação; 4,5,8,9,11,15,16,20 "louco", que perde a noção da realidade;…”

“…"não está com a mente boa"; 6,14,-17,20 com valor inferior, desacreditado, desconsiderado, com problema; 4,6,8,13,14 sem autonomia, com dificuldade ou impossibilidade de realizar atividades diárias e que necessita de cuidados; 6,13,16,19 incapaz de trabalhar e socializar, incompetente; 5,13,15,19,20 imprevisível, desconhecido; 6,15,19 com aparência estereotipada, estranho 15 e irrecuperável. 4,5 Quadro 1.…”

“…Para fins didáticos, as repercussões encontradas estão separadas neste artigo por esses 3 setores, mas compreendendo que eles se influenciam mutuamente levando a uma vivência social desconfortável. 20 No que tange os profissionais da saúde, as repercussões dessas representações inclui medo, insegurança, crenças restritivas, falta de confiança, desespero, dificuldade para realizar um cuidado efetivo o que fragiliza a assistência à saúde de sujeitos com transtornos mentais e culmina em distanciamento social por parte desses profissionais bem como em atitudes negativas, autoritárias e excludentes. [4][5][6]9 Com relação à família, destaca-se a sobrecarga física e psicológica do cuidador, que muitas vezes tem suas próprias atividades diárias comprometidas em prol do cuidado, sendo uma vivência comumente solitária.…”

“…[4][5][6]9 Com relação à família, destaca-se a sobrecarga física e psicológica do cuidador, que muitas vezes tem suas próprias atividades diárias comprometidas em prol do cuidado, sendo uma vivência comumente solitária. 13,20 A família também pode conviver constantemente com medo da agressividade do sujeito, experienciar culpa, preocupação, vergonha e/ou piedade pelo comportamento dele, especialmente em público, limitação do relacionamento interpessoal, sensação de incapacidade de proteger o sujeito e além de dificuldades financeiras. 13,18,19 Para o sujeito, evidencia-se a exclusão e discriminação em diferentes dimensões da vida, representadas pelas dificuldades de ingressar e manterse no mercado de trabalho, estabelecer relacionamentos amorosos sólidos e participar da vida social; 12,13 e a vivência de violências, incluindo tanto naturalizadas e com consequências mais extremas como linchamento e morte.…”