Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 31 jan./abr. 2006 Muito tem sido produzido nos últimos anos, no Brasil, sobre história da infância, quer no âmbito da história, quer no da história da educação. Em levantamento realizado sobre o tema, Irma Rizzini indica que, na década de 1980, foram desenvolvidos 38 estudos, entre artigos, dissertações e teses; já na década de 1990, são registradas 160 produções (in Rizzini & Fonseca, 2001). Tais trabalhos têm possibilitado conferir visibilidade e legibilidade aos processos sociais de formação das diferentes infâncias brasileiras, nos diversos espaços educativos e momentos históricos.A pluralidade de estudos tem indicado, por um lado, um tratamento da história da infância brasileira que busca compreendê-la a partir de sua pertinência social, etária, étnica e de gênero, categorias que vêm norteando tais produções. Por outro lado, vem sendo dado destaque tanto à produção e circulação de práticas de intervenção junto às crianças brasileiras, quanto à produção, circulação e apropriação de saberes sobre a infância.1 Por fim, vêm sendo investigados períodos históricos tradicionalmente pouco contemplados, como o século XIX, o que vem ocorrendo mais sistematicamente nos últi-mos cinco anos. No interior desse escopo, buscamos aqui analisar os discursos sobre a infância, em circulação no contexto educacional escolar mineiro da primeira metade do século XIX. Tem-se em vista contribuir para um alargamento da produção da história da educação da infância no Brasil, contemplando um perío-do histórico ainda pouco analisado, destacando a singularidade da primeira metade do século XIX, como também enfatizar a especificidade dos discursos acerca da infância pobre e sua educabilidade, inserido num projeto de escolarização dos extratos considerados inferiores da população.A utilização de múltiplas fontes possibilitou-nos o acesso a discursos de diversas naturezas, contribuindo para a compreensão da complexidade que marcava o cenário educacional da sociedade mineira na primeira metade do século XIX. Assim, tivemos como fonte privilegiada um manual didático-pedagógico de origem francesa, intitulado Curso normal para proEscolarizar para moralizar: discursos sobre a educabilidade da criança pobre (1820-1850) ; a legislação educacional mineira; os relatórios dos presidentes da província de Minas Gerais; mapas trimestrais de freqüência dos alunos das escolas elementares, preenchidos pelos professores para recebimento do salário; ofícios, requerimentos e portarias referentes à instrução pública mineira; relatórios dos delegados de ensino. O entrecruzamento das fontes constitui estraté-gia fundamental, na pesquisa histórica, para contemplar a complexidade da construção da vida social, a polifonia de discursos e práticas produzidos pelos distintos atores sociais, a partir de sua inserção. Porém, cabe considerar a especificidade de cada produção discursiva, tendo em vista as condições e hierarquias entre os distintos espaços de produção, circulação e apropriação dos discursos sociais, que informam s...