“…Kant de Lima há muito aponta para o fato de que o nosso sistema penal é formado por princípios contraditórios de sistemas inquisitoriais e acusatoriais (Kant de Lima, 1989), e a produção mais recente vem mostrando a aplicação dessa oposição em outros ramos do direito. O tribunal do júri representa neste contexto um caso muito especial: primeiro, ele é muito diferente do júri estadunidense, ao qual a doutrina brasileira sempre se refere e a própria diferença é uma bricolagem: no júri brasileiro não se pretende produzir a verdade a partir daquilo que é possível provar à frente de todos, não há regras de exclusão de evidência, os advogados não estão limitados naquilo que podem dizer pelo juiz, não há discussão entre os jurados, tampouco a exigência de unanimidade, o juiz elabora quesitos que os jurados votam sim ou não "de acordo com sua consciência" e o veredito é dado pela maioria dos votos (Kant de Lima, 1999); depois, justamente por sua proximidade com a tradição e os valores locais -afinal são os jurados que decidem o veredito -, não é de se estranhar que, como a etnografia tem demonstrado, no resultado prevaleçam os valores da sociedade mais ampla, muitas vezes em detrimento ou, mesmo, em oposição à lei (Schritzmeyer 2020e Nuñez 2020. Penso que seria possível falar de sínteses locais, específicas e não generalizáveis nesses casos porque continuam operando dois planos distintos: um o da linguagem universal do direito brasileiro cuja gramática não permite a enunciação daquilo que faz sentido para sociedade mais ampla, de outro a prática que introduz justamente os outros aspectos que não é possível mencionar.…”