Mulheres Negras, o Cuidado com a Saúde e As Barreiras na Busca por Assistência: Estudo Etnográfico em uma Comunidade de Baixa Renda

Abstract

Introdução: Cerca de metade da população feminina brasileira é constituída por negras. As mulheres negras são as que sofrem maior exclusão social e apresentam os maiores níveis de vulnerabilidade em relação à assistência à saúde se comparadas com as mulheres brancas. Objetivos: Explorar as crenças, valores e práticas das mulheres negras relativas ao cuidado com a saúde no domicílio, no contexto da própria comunidade e a sua interface com a busca por assistência nas instituições de saúde. Metodologia: a pesquisa foi desenvolvida mediante abordagem qualitativa, utilizando-se do método etnográfico. Foi desenvolvido o processo de observação participante no bairro Cidade Ipava, localizado no distrito de Jardim Ângela, zona sul da Cidade de São Paulo. Trata-se de um bairro cuja população é constituída por uma grande proporção de negros e apresenta altos índices de vulnerabilidade à pobreza. Foram feitas entrevistas etnográficas com 20 mulheres negras, tendo sido 17 informantes-gerais e três informantes-chave. Resultados: Morar neste bairro representou a concretização do desejo de adquirir um imóvel próprio para a família. no entanto, o bairro está localizado em um território distante do centro da cidade, onde o acesso aos diversos serviços, inclusive os de saúde, é muito precário e permeado por grandes dificuldades. Os principais problemas relacionados aos serviços de saúde mencionados pelas mulheres foram a falta de um pronto socorro no bairro, a falta de médicos, o atendimento desumanizado e a discriminação social e racial sofridas na vida cotidiana. Três descritores (DC) e um tema cultural (TC) expressam as crenças, valores e práticas das informantes relativas ao cuidado com a saúde: DC-1) "Faço o máximo para não ir ao médico e cuido da saúde do jeito que posso para evitar ficar doente"; DC-2) "A experiência com a assistência à saúde que recebo nas instituições não é boa"; DC-3) "Sofro racismo velado por ser negra". "Sem outra saídasomos obrigadas a enfrentar obstáculos e buscar assistência médica, porque os remédios caseiros não deram certo e o problema de saúde é grave" é o TC representativo das crenças, valores e práticas cotidianas relativas ao cuidado com a saúde das mulheres negras que moram no bairro, foco deste estudo etnográfico. Conclusões: As informantes se deparam com muralhas (in)visíveis ao acessar as instituições de saúde. a intersecção dos determinantes raça, classe social, território, gênero, religião e idade resultam na condição de maior vulnerabilidade em saúde para as mulheres negras inseridas no contexto estudado. As mulheres moradoras deste bairro, sobretudo as negras, requerem suporte para o empoderamento, essencial para reivindicar, acessar e usufruir de uma assistência à saúde de qualidade, humanizada e livre de descriminações.

Desenvolvimento e validação do instrumento Percepção sobre Discriminação Racial Interpessoal nos Serviços de Saúde (DRISS)

“…Um dos principais resultados foi o relato das informantes de que os profissionais de saúde tratavam usuários de maneira racialmente discriminatória. Elas relataram que se tratava de uma percepção difícil de ser comprovada, pois, frequentemente, essas situações ocorriam de maneira velada, dificultando a sua observação de forma objetiva, porém, subjetivamente era percebida (Santa Rosa, 2013). No entanto, resultados de estudos qualitativos não são generalizáveis.…”

“…Concluindo este tópico, apresentam-se aqui as motivações para o desenvolvimento desta tese: 1) não foi encontrado, nas literaturas nacional e internacional, um instrumento que medisse a discriminação racial no contexto dos serviços de saúde, em que a população-alvo fosse composta por usuários. Além disso, os instrumentos existentes, relacionados a aspectos raciais, são, em sua maioria, provenientes dos Estados Unidos, cuja construção histórica de raça/cor e a experiência de racismo são bem diversas da brasileira; 2) trabalhos qualitativos (Kalckmann et al, 2007;Santa Rosa, 2013) coletividades. Por sua vez, são abordados os conceitos de raça, etnia, discriminação racial, racismo e racismo institucionalconceitos utilizados frequentemente ao longo desse trabalho.…”

“…A partir dessa premissa, o estudo qualitativo utilizado nesta tese foi a dissertação de mestrado: 'Mulheres negras, o cuidado com a saúde e a busca por assistência: estudo etnográfico em uma comunidade de baixa renda' (Santa Rosa, 2013). Trata-se de uma etnografia realizada em um bairro de baixa renda, com grande proporção de residentes autodeclarados como negros, na periferia da cidade de São Paulo.…”

“…No Quadro 13, é apresentada a AFE realizada com os itens 1, 3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,17,18,19,20,21,22 Rosa, 2013), não utilizar anestesia, quando essa é necessária (Burgess et al, 2008;Kreling, Pimenta, Garanhani, 2014;Dickason et al, 2015;Leal et al, 2017), entre outros. O tratamento injusto motivado, aparentemente, pela raça/cor da pele, leva usuários e usuárias a buscarem assistência em outras unidades de atendimento à saúde, quando disponíveis.…”

“…Partindo de uma pesquisa qualitativaconduzida com mulheres negras residentes em áreas periféricas da cidade de São Paulo que relataram ter vivenciado situações de discriminação racial em serviços de saúde e a forma como reagiram a essas situações e para evitar a vivência de outras situações semelhantes no futuro (Santa Rosa, 2013); de vasta busca bibliográfica, que mostrou a existência de poucos instrumentos construídos para mensurar a discriminação racial nos serviços de saúde, sendo todos eles validados em contextos diferentes do Brasil (Paradies, 2006a;Kressin, Raymond, Manze, 2008;Bastos et al, 2010); e, por fim, de sugestões e recomendações de um grupo de pesquisa com experiência na condução de estudos sobre saúde da população negra, a primeira versão do instrumento ora apresentado foi elaborada, inicialmente com 50 itens.…”